quarta-feira, 30 de junho de 2010

Eu queria ter o tempo



Eu Queria Ter o Tempo e o Sossego Suficientes

Eu queria ter o tempo e o sossego suficientes
Para não pensar em coisa nenhuma,
Para nem me sentir viver,
Para só saber de mim nos olhos dos outros, reflectido.

Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"

Heterónimo de Fernando Pessoa

Esta tela tem na sua temática o tempo como referência. O relógio marca as horas galopantes dos dias que voam levando consigo a vida e os sonhos. É assim que tudo gira num desperdício de episódios desinteressantes. É este, para toda a gente, o percurso, onde uns se realizam e todos os outros procuram eternamente uma luz ao fundo do túnel.

Com cores sombrias e um desenho sintético das formas procurei criar um imaginário que fosse a expressão de um sentimento, aqui (nesta fotografia) mostrando a conjugação da pintura e do artesanato. História da Minha Pintura.

Recordo hoje, de novo, as palavras de Marcel Proust:

“Os dias talvez sejam iguais para um relógio, mas não para um homem.”

terça-feira, 29 de junho de 2010

Público e privado



A fronteira entre o privado e o público varia muito. Aqui entre nós, hoje mais do que nunca, tantos se mostraram, sem medir bem o fundamentalismo, as mentes perversas e os interesses obscuros. Nem toda a gente é respeitável e sensata. É o nosso mundo e com ele temos de viver. Com o bom e o que não presta. E nada podemos fazer. A liberdade é para todos, e até para os que a transformam em libertinagem.

Início hoje uma amostragem de obras inseridas no espaço privado e tendo por objectivo mostrar sobretudo as dimensões e o enquadramento das peças. Quase todas as obras de arte estão em espaços privados, longe dos olhares da maioria dos fruidores. Felizmente que a net é uma janela aberta ao mundo e que ultrapassa os limites das galerias de arte que, como se sabe, apenas podem mostrar (quando mostram) algumas obras artísticas. Não tenho trabalhos meus em museus e apenas em poucos espaços públicos, daí esta exposição diária, para os bem- intencionados, e também para os outros. Viva a liberdade.

Estas telas procuram contar ambientes e modos de vida que uns gostam e outros detestam. Como tudo. Numa pincelada muito rápida mercê do desejo e do impulso, estas obras foram feitas para responder a uma encomenda e, como sempre acontece, nestas circunstâncias, pintar tem outro encanto. História da Minha Pintura.

E vos deixo com as palavras de Victor Hugo:

“Tudo quanto aumenta a liberdade, aumenta a responsabilidade.”

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Pensamentos íntimos



Não vou falar de mim. Não direi nada dos meus. Não revelarei quem faz parte das minhas amizades. Não quero dizer nada da vida, apenas quero contar como é. É sempre a mesma coisa. Tudo, todos os dias, se repete: os gestos, as atitudes, as rotinas, os prazeres e, naturalmente, os desencantos. De pintura falo, obviamente.

Tudo começa com ideias que se multiplicam e, de tanto pensar, vou saltitando por aqui e por ali, na recordação ou no julgamento das situações. E, quando pinto, assaltam-me tantos episódios do presente, do passado e também do futuro desejado. Pensamentos que me alegram ou, como acontece muito, me deixam de rastos. E de rastos fico, quase sempre, porque a pintura é sofrimento e sempre angústia.

Este meu trabalho, em madeira recortada, de 2001, é, como todas as outras obras, um olhar pelo que me cerca neste labiríntico mosaico de formas e situações. A representação de arquitecturas cromáticas e a luz formam este painel, que representa um tempo e um espaço. História da Minha Pintura.

E vos deixo com as palavras de Gustave Flaubert:

“A moral da arte reside na sua própria beleza.”

domingo, 27 de junho de 2010

Memória futura



Recordação
"E tu esperas, aguardas a única coisa
que aumentaria infinitamente a tua vida;
o poderoso, o extraordinário,
o despertar das pedras,
os abismos com que te deparas.

Nas estantes brilham
os volumes em castanho e ouro;
e tu pensas em países viajados,
em quadros, nas vestes
de mulheres encontradas e já perdidas.

E então de súbito sabes: era isso.
Ergues-te e diante de ti estão
angústia e forma e oração
de certo ano que passou.
"

Rainer Maria Rilke, in "O Livro das Imagens"
Tradução de Maria João Costa Pereira


É preciso registar, para memória futura, o que fazemos e porque fazemos. Uma simples ficha com os dados mais relevantes da cada obra é o processo que eu utilizo. O blog (enquanto existir) é a continuidade do desejo de mostrar o meu trabalho e explanar o que penso sobre a vida e a arte. História da Minha Pintura.

E vos deixo com a voz de Sarah Mclachlan e a música do filme “Cidade dos Anjos”.


sábado, 26 de junho de 2010

Feira popular





“Nenhum caminho é mais errado para a felicidade do que a vida no grande mundo, às fartas e em festanças, pois, quando tentamos transformar a nossa miserável existência numa sucessão de alegrias, gozos e prazeres, não conseguimos evitar a desilusão; muito menos o seu acompanhamento obrigatório, que são as mentiras recíprocas.”

Fonte: "Aforismos sobre a Sabedoria da Vida"
Autor: Schopenhauer , Arthur



Estas pinturas, em madeira recortada, procuram retratar viagens pelo imaginário infantil, onde o Carrossel é presença obrigatória nas, ainda, festas populares. Um pouco por todo o lado, chegam uma vez por ano, a cada lugarejo, as festividades para alegrar este nosso viver sempre ávido de novidades recreativas. E foi, pensando, nesta rotina de devaneios Kitsch, que recordei o passado, com o encanto que hoje já não existe, mas que fez as delícias de muitas gerações. História da Minha Pintura.

E vos deixo com quatro canções populares portuguesas.


sexta-feira, 25 de junho de 2010

Fim-de-semana





O país está suspenso. Já são poucos os que não pensam em futebol. O futuro parece depender de chutos na bola. Pelo menos para o nosso ego é fundamental… e para a carteira de alguns, sem dúvida. Mas há outros que tiram prazer de passeios e de momentos de relaxamento, sobretudo aos fins-de-semana, vendo ou fazendo, este mundo e o outro. Afinal, somos todos diferentes, parecendo todos iguais.

Estas pinturas, em madeira recortada, representam dois momentos de puro prazer - passeando em busca de novos caminhos, ou saboreando a brisa marinha e o encanto da praia. São gostos e formas de estar. Pois claro.

Esta série, nascida do desejo de descobrir novos caminhos e novos materiais, não fugindo dos processos tradicionais da pintura, procura alcançar novos processos, dos quais destaco a volumetria, as sombras e as configurações das diferentes peças que constituem os vários elementos da pintura. História da Minha Pintura.

Recordo hoje as palavras de Marcel Proust:
“ Os homens podem ter várias espécies de prazer. O verdadeiro é aquele pelo qual eles deixam outro.”

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Lisboa e Porto






Hoje lembrei-me de Camões.

“Quem não sabe a arte, não a estima.”

Duas cidades, um só país, um mesmo povo e tantas diferenças. Adoro Lisboa. Adoro o Porto. A luz única da Cidade das Sete Colinas e o negro granítico da Cidade Invicta constituem a fórmula mágica dos contrastes, que se completam pela diferença. Aqui, neste cantinho da Europa.

Estes dois trabalhos em madeira recortada, de 2001, procuram retratar vidas e modos de estar, tendo por vislumbre as cidades do Porto e Lisboa. Para fazer estas obras foi preciso ver- com olhos de ver-, e retratar, partindo do princípio que as cores e as formas muito dizem do espaço e das suas gentes. Como sempre, nesta série, comecei por colar os diferentes pedaços de madeira recortada, e depois fui preenchendo os espaços com os desenhos e pintando. História da Minha Pintura.

E vos deixo com as palavras de Fernando Pessoa, in “Portugal Entre Passado e Futuro”:

“O povo português é, essencialmente, cosmopolita. Nunca um verdadeiro português foi português: foi sempre tudo.”

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Carrossel





Agora é o tempo das festas populares. Um pouco por todo o país, com muita sardinha, vinho tinto e “música pimba” se festeja. É o Verão a chegar. Os calores da estação fomentam os passeios nocturnos e as festarolas. E chegam os feirantes, já sem a magia de outros tempos, mas ainda cativando os petizes, nem que seja no carrossel. É assim, por enquanto, cá pelo cantinho peninsular, com circo e variedades para todos os gostos, ou não vivêssemos numa feira de enganos.

Estas duas pinturas em madeira recortada ilustram cenários onde o carrossel está presente com a simbologia da selva animal e urbana. As memórias de infância, com a agitação, o bulício e as cores fortes contaminam para sempre quem viveu paredes-meias com a Feira Popular.

Estes trabalhos procuram captar modos de conviver onde está presente a paisagem urbana, o relacionamento social e a festa, aqui com a figuração do carrossel, num cromatismo pálido, talvez, por acção das memórias que o tempo vai transfigurando. História da Minha Pintura.

Recordo hoje as palavras de Artur Schopenhauer, in “Aforismos sobre a Sabedoria da Vida”:

“Em geral, festas e entretenimentos brilhantes e ruidosos trazem sempre no seu interior um vazio ou, melhor dizendo, uma dissonância falsa, mesmo porque contradizem de modo flagrante a miséria e a pobreza da nossa existência, e o contraste realça a verdade.”

terça-feira, 22 de junho de 2010

Viajar de novo






Viajar é descobrir outros horizontes, outras culturas, outras gentes, outros sabores, e é, também, viver com as desgraças do costume: muita gente, muita confusão, horários trocados, enganos e trafulhices estivais. É assim quando o Verão chega. Tantos buscam momentos paradisíacos que talvez só existam na nossa imaginação. E de tanto desejar, viajamos em busca de prazeres que só existem dentro de nós, independentemente de tudo o que nos cerca. Cada um constrói, afinal, o seu paraíso, que pode ser no seu cantinho, no seu espaço privado, na sua cabeça. Pois claro.

Estas pinturas em madeira recortada são colagens que procuram traduzir os momentos vividos ou inventados. Os azuis dominantes que predominam nas paisagens marinhas e as vivências típicas dos que querem descansar fazem a história destes trabalhos. Madeira em vez de papel, e múltiplos fragmentos visam criar um todo que seja plasticamente apelativo. História da Minha Pintura.

Recordo hoje as palavras de Victor Hugo:

“Viajar é nascer e morrer a todo o instante.”

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Enganos





Portugal acabou de ganhar à Coreia do Norte por 7-0, na África do Sul, no campeonato mundial de futebol. O país está feliz, os políticos também, os portugueses esquecem o desemprego e as desgraças do costume. Tudo graças a pontapés numa bola. Que felicidade.

Estas pinturas, em madeira recortada, de 2001, procuram ilustrar episódios da vida que nos marcam e caracterizam. O espaço e o tempo são determinantes para definir modos de estar e ser. Como é meu timbre, vejo (ou julgo ver) o que me envolve e, retrato o que consigo alcançar, de acordo com os meus desejos, utilizando as cores e as formas pictóricas. História da Minha Pintura.


Recordo hoje as palavras de Nicolas Boileau:

“Quem vive contente com nada tem tudo.”

domingo, 20 de junho de 2010

Morrer



Morrer é partir. Partir para todo o lado e para lado nenhum. Morrer é sempre o fim de qualquer coisa: do sonho, da esperança, da vontade. E da vida também.

Ontem fui ver o Requiem Op.89 de Antonín Dvorak, dedicado a José Saramago, e interpretado pelo Coral Sinfónico de Portugal. A morte sempre foi inspiradora para os artistas. Da música ao canto, da palavra à figuração, da sombra à representação. E fiz bem, muito bem, em ter assistido a mais uma alusão aos caprichos da vida e, naturalmente, da morte.

Morrer é uma viagem de muitas certezas e algumas dúvidas. Aqui, nesta minha pintura em madeira recortada, os vários elementos formam a teia que é o jogo das interrogações, da dor e da resignação. Cores sombrias e formas contidas procuram simbolizar o meu olhar pela vida e pela morte. História da Minha Pintura.

Recordo hoje as palavras de Honoré Balzac:

“O homem morre a primeira vez quando perde o entusiasmo.”

E vos deixo com o Requiem de Dvorak.


sábado, 19 de junho de 2010

Pedaços de mim





Hoje uma recordação; um episódio; uma história; um acontecimento sui generis; ou nada de importante. É assim todos os dias. Pedacinhos de vida que pouco a pouco fazem o percurso de cada um. E porque vivemos de muitas rotinas, momentos há, que são diferentes e formam os pedaços significativos do andar por aqui. Como hoje.

Inicio a amostragem de uma série de pinturas em madeira que fiz, sobretudo, em 2001. No desejo sempre continuado de desbravar novos caminhos e, porque entendo que a pintura só faz sentido, enquanto meio de descoberta e de prazer, estes meus trabalhos surgiram pela necessidade de utilizar a madeira como suporte e, também, tratando a própria pintura como colagem, já que juntei pequenos pedaços de madeira, em diferentes planos, formando um todo pictórico. História da Minha Pintura.

Recordo hoje as palavras de Blaise Pascal, in “Pensamentos”:

“O eu é odioso”.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

O mundo




O Mundo
O mundo, tal como o entendo,
Não vai além daquilo que o cego
De cor e sombra pode encontrar
Na escuridão que é a sua sina;
Este mundo, imenso e luzente,
O qual nós viemos herdar
Com um orgulho inconsciente,
Vale tanto quanto as nossas rimas
E haveres, sua lama dourada —
Nada, é o mais que dele vou falar
E aqui, no leito do nada,
Para o outro lado vou-me voltar.

Alexander Search, in "Poesia"


Estas duas pinturas em tela recortadas simbolizam o caminho da procura e do desejo de contar. Falamos, falamos e falamos tanto; procuramos, procuramos e procuramos tanto. E o mundo gira, indiferente aos caprichos, às conversas e às procuras. E, porque assim é, as imagens das vivências acumulam-se dia após dia, até ao derradeiro instante. E tudo me serve para pintar com as minhas cores e as minhas formas. Tudo mesmo: pessoas, natureza, objectos, animais. História da Minha Pintura.

Hoje vos deixo com a mestria ao violino de Anne-Sophie Mutter e a música de Massenet: “Meditação de Thais”.


quinta-feira, 17 de junho de 2010

Ilusões perdidas





Ilusão Perdida
Florida ilusão que em mim deixaste
a lentidão duma inquietude
vibrando em meu sentir tu juntaste
todos os sonhos da minha juventude.

Depois dum amargor tu afastaste-te,
e a princípio não percebi. Tu partiras
tal como chegaste uma tarde
para alentar meu coração mergulhado

na profundidade dum desencanto.
Depois perfumaste-te com meu pranto,
fiz-te doçura do meu coração,

agora tens aridez de nó,
um novo desencanto, árvore nua
que amanhã se tornará germinação.

Pablo Neruda, in 'Cadernos de Temuco'
Tradução de Albano Martins

Estas duas telas, de formato irregular, mais uma vez, procuram retratar o espaço envolvente numa mescla de sugestões e de ilusões vividas ou desejadas. Ilusões perdidas, talvez, pela voracidade do tempo e das normas sociais. A vida é feita de convenções e de momentos, que se materializam, ou não passam de desejos, enganos e muitas ilusões perdidas.

Aqui, procurei, como sempre faço, criar uma figuração singular com os meios e os processos tradicionais, porque o que mais me fascina na pintura é ver nascer as formas e a harmonização das cores, numa luta sempre desigual entre o desejo e a capacidade, ou não, de alcançar o pretendido. História da Minha Pintura.

E vos deixo com a voz de Pavarotti e “O solo mio”.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Aqui tão perto





Agora é assim: viajamos para longe, para muito longe. Fugimos das rotinas e das paisagens diárias e próximas. Queremos alcançar outras miragens e outros sabores culturais. E porque queremos fugir, nem olhamos com olhos de ver o que nos cerca. Aqui tão perto...

Estas pinturas, em tela recortada, são viagens tendo por cenário a paisagem portuguesa, que a tantos é indiferente, embora estes conheçam as rotas turísticas massificadas. Enfim, outros modos de gostar e de apreciar a beleza ou a falta dela. E porque o que vejo me serve para retratar, esta série do início do século, nasceu do desejo de registar as minhas viagens. Aqui tão perto.

Estas telas procuram juntar, mercê da sua configuração, vários elementos figurativos em contextos diferenciados, tendo as cores verdejantes como elemento preponderante. A relação humana com o espaço e a expressão dos sentimentos fazem parte do meu modo de comunicar plasticamente. História da Minha Pintura.

E vos deixo com as palavras de Lawrence Durrell:

“A viagem pode ser uma das formas mais satisfatórias de introspecção.”

terça-feira, 15 de junho de 2010

Tudo acaba





Tudo acaba. O que é bom. O que nunca prestou. E porque tudo acaba, andamos - paradoxalmente-, por aqui, em busca sempre do elixir. Da juventude e da felicidade. Mas tudo acaba. A juventude e os momentos felizes. Felizmente nem tudo é mau. Acontecem coisas, de vez em quando. E a esperança renasce, quando menos se espera, sabendo sempre que tudo acaba. Tudo acaba. Mais dia, menos dia.

Estas duas pinturas em madeira, de formato irregular, sugerindo formas humanas em poses diversificadas, procuram criar um imaginário que se diferencie da configuração da pintura tradicional usando, no entanto, os mesmos processos de trabalho e de tratamento das imagens. Cores, formas, texturas, luzes e sombras fazem parte desta série que nasceu do desejo continuado de descobrir sempre novos processos, porque a arte deve ser um caminho de muitas buscas e encontros felizes. História da Minha Pintura.

Recordo hoje as palavras de Niccolo Maquiavel, in “Histórias Florentinas”:

“O que tem começo tem fim.”

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Enganos





“Um dos paradoxos dolorosos do nosso tempo reside no facto de serem os estúpidos os que têm a certeza, enquanto os que possuem imaginação e inteligência se debatem em dúvidas e indecisões.”

Bertrand Russel

Andamos por aqui, com muitas certezas e muitos enganos. Uns acreditam em muitas vidas; muitos outros apenas visualizam a temporalidade vivida e, destes, eu faço parte. Apenas e só, convictamente, considero a matéria temporal. Eu sou matéria e nada mais do que isso. Para mal dos meus pecados…

Estes trabalhos, em madeira, feitos em 99, fazem parte de uma série em que a silhueta humana expressa na forma, se anula com a pintura nela inserida. A variedade temática e cromática procura criar um jogo de muitas leituras, em que a vida, a nossa vida, é um mosaico de episódios e de desejos. História da Minha Pintura.

E vos deixo com as palavras de Aristóteles:
“A dúvida é o princípio da sabedoria.”

domingo, 13 de junho de 2010

Conviver





Felizmente. Felizmente que sabemos, de vez em quando, conviver. E conviver significa tanto e tão pouco. Bastam escassos segundos para iluminar um dia, uma vida. Conviver é, também, rotinar os hábitos, e viver ouvindo e sendo ouvido. Basta tão pouco, para o pouco ser muito, e o muito ser tanto. No convívio ... pois claro.


Inventamos sempre modos de estar com os outros. Hoje, mercê da net, inventámos modos de conviver, no presente, estando longe, muito longe, conhecendo ou não o outro. Convivemos somente. E, de tanto “conviver”, deixámos de estar sós, estando sós. Coisas do tempo. Do nosso tempo. Para o melhor e para o pior...

Estas pinturas, do início do novo milénio, em madeira, fazem parte do desejo de experimentar novos materiais e novas formas de expressão. Como é meu timbre, a singularidade é o desejo supremo da expressão única, que busco desde sempre. Aqui, mais uma vez, procurei criar, num formalismo muito pessoal, uma pintura que fosse reveladora de um tempo e de modo de conviver. História da Minha Pintura.


E vos deixo recordando hoje dos Textos Judaicos, in “Moisés Maimônides”:

“ O bem-estar na vida obtém-se com o aperfeiçoamento da convivência entre os homens.”

sábado, 12 de junho de 2010

Saborear



Momentos há que só queremos saborear. Saborear o instante. Saborear o pensamento. Saborear a paisagem. E, porque sabemos saborear, o que é pouco, pode ser muito; e o que é muito, pode ser pouco.

Esta tela em madeira -material que raramente uso, mas que gosto muito, dada as suas características de durabilidade, dureza e porosidade -, faz parte da série que fiz em 99, e que tinha como propósito representar, em simultâneo, duas realidades: pintura e instalação. A pintura existe dentro dos limites das formas irregulares da madeira; a instalação era resultante do conjunto das telas que, ao apresentarem as diferentes formas irregulares e singulares, conferiam uma mensagem pelo conjunto que formavam no todo. História da Minha Pintura.

Recordo hoje as palavras de Fernando Pessoa no “Livro do Desassossego”:

“Quem sou eu para mim? Só uma sensação minha.”

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Brincar






as meninas
as minhas filhas nadam. a mais nova
leva nos braços bóias pequeninas,
a outra dá um salto e põe à prova
o corpo esguio, as longas pernas finas:

entre risadas como serpentinas,
vai como a formosinha numa trova,
salta a pés juntos, dedos nas narinas,
e emerge ao sol que o seu cabelo escova.

a água tem a pele azul-turquesa
e brilhos e salpicos, e mergulham
feitas pura alegria incandescente.

e ficam, de ternura e de surpresa,
nas toalhas de cor em que se embrulham,
ninfinhas sobre a relva, de repente.

Vasco Graça Moura, in "Antologia dos Sessenta Anos"


Estas pinturas representam cenários onde a criança está presente. Um brinquedo é, por excelência, um objecto que tem no imaginário infantil um lugar próprio e um encanto, que o tempo irá transformar. Enquanto o futuro não chega cabe ao menino ou à menina descobrir o encanto que um simples brinquedo consegue dar. E foi a pensar na magia e no deslumbramento das peças umas mais coloridas que outras; umas maiores e mais sonantes; umas mais belas ou mais rústicas que esta série pictural surgiu. História da Minha Pintura.

E vos deixo com as palavras de Jean de La Bruyère:

“As crianças não têm passado, nem futuro, e coisa que nunca nos acontece, gozam o presente.”

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Portugal






Patriota? Não: só Português
Patriota? Não: só português.
Nasci português como nasci louro e de olhos azuis.
Se nasci para falar, tenho que falar-me.


Alberto Caeiro, in "Fragmentos"
Heterónimo de Fernando Pessoa

Estas pinturas, em tela, de formato irregular feitas no início do século, são um olhar pela paisagem e pelo sentimento. Sentimento de um povo que tem as qualidades e as capacidades que nos orgulham e nos desesperam continuamente. Não somos uma ilha, tendo ilhas; não somos o desencanto, tendo encanto; não somos pequenos, sendo grandes; não somos grandes, sendo pequenos. Somos e não somos.

Procurei com esta série de telas recortadas criar múltiplas leituras dentro da pintura e com a própria configuração da tela. Cores térreas e um formalismo lírico pictorial visam criar impacto visual que, pela diferença, seja mais apelativo, num mundo de tanta imagem. História da Minha Pintura.

Hoje lembrei-me de Eduardo Lourenço um dos pensadores portugueses que mais admiro:
“Os criadores têm a realidade das suas criações. Os críticos aquela que as criações lhes consentem, sejam elas medíocres, excelentes ou geniais. A sua ilusão desenraizável é a de imaginar que são eles quem lhes dá vida, quem as ilumina, quem as julga. O contrário é mais exacto: são elas quem os faz viver, os ilumina ou julga.”

Neste dia, não poderia esquecer Amália que traduz o sentir e a alma deste povo. E vos deixo com “Canção do Mar/Solidão”.



quarta-feira, 9 de junho de 2010

O mundo infantil



A Criança que Pensa em Fadas
A CRIANÇA que pensa em fadas e acredita nas fadas
Age como um deus doente, mas como um deus.
Porque embora afirme que existe o que não existe
Sabe como é que as cousas existem, que é existindo,
Sabe que existir existe e não se explica,
Sabe que não há razão nenhuma para nada existir,
Sabe que ser é estar em algum ponto
Só não sabe que o pensamento não é um ponto qualquer.

Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
Heterónimo de Fernando Pessoa


A arte é uma fuga; é um fingimento contente; é um caminho de descobertas; é um modo de estar e não estar; é a liberdade de ser outro, sendo o mesmo; é a fuga da realidade e da verdade; é tanto e é tão pouco.

Adoro crianças. Sempre gostei da pequenada. E de vez em quando faço obras que têm como alvo o mundo infantil, visto pelo olhar de quem viu passar muitas vidas. Esta série de pinturas em tela, de diferentes formatos, feitas quase todas no ano 2000 e expostas na então Galeria Art Konstant em Lisboa, marca uma faceta do meu percurso pictórico. Neste imenso universo de imagens procuro criar algo de novo que faça a diferença utilizando os processos antigos (tela, tintas e pincéis), mas dando um cunho novo. Deste modo, nasceu esta série, hoje tão longe daquilo que faço. História da Minha Pintura.

Hoje lembrei-me das palavras de Nicolas Boileau:

“Para que eu chore, é preciso que vós choreis também.”

terça-feira, 8 de junho de 2010

A nudez






A Mulher Nua
Humana fonte bela,
repuxo de delícia entre as coisas,
terna, suave água redonda,
mulher nua: um dia,
deixarei de te ver,
e terás de ficar
sem estes assombrados olhos meus,
que completavam tua beleza plena,
com a insaciável plenitude do seu olhar?

(Estios; verdes frondas,
águas entre as flores,
luas alegres sobre o corpo,
calor e amor, mulher nua!)

Limite exacto da vida,
perfeito continente,
harmonia formada, único fim,
definição real da beleza,
mulher nua: um dia,
quebrar-se-á a minha linha de homem,
terei que difundir-me
na natureza abstracta;
não serei nada para ti,
árvore universal de folhas perenes,
concreta eternidade!

Juan Ramón Jiménez, in "La Mujer Desnuda"
Tradução de José Bento


A nudez tem o encanto do pecado e da descoberta do outro. A religiosidade criou perante o nosso corpo, grosso modo, condutas que, por sua vez, provocaram outros modos de nos olharmos. Com ou sem liberdade, com ou sem censura, o corpo, o nosso eterno corpo será palco de imaginação, fantasia e descoberta. Na vida. E na arte também.

Estas aguarelas foram feitas para responder a solicitações literárias. A ponte entre a escrita e a imagem é um campo apaixonante, já que gosto de ilustrar textos, segundo um julgamento formal que tem como técnica artística a aguarela. É rápido e simples desenhar e pintar no papel . Depois é o jogo da paciência e do gosto. História da Minha Pintura.

E vos deixo com a a voz de Beverly Sills numa ópera de Jacques Offenbach, baseado nas estórias de Hoffmann.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Aniversário



Faz hoje um ano que o blog surgiu. Começou a ser feito ainda em Maio de 2009 e apareceu no dia 7 de Junho do ano passado. Desde então mais de 26 000 visitas. Todos os dias, numa luta contra o tempo, procuro colocar um pequeno texto, uma citação, de vez em quando uma música e, sempre, sempre uma imagem. Imagem do meu trabalho pictórico, afinal, razão principal do aparecimento do www.joaoalfaro.blogspot.com.

Os artistas fazem, na maioria dos casos, trabalhos que acabam por ter um público restrito. Poucos vêem e conhecem. O mundo das galerias não está no roteiro de muitos fruidores estéticos, e porque assim é, julguei, chegada a hora, após muitas exposições individuais e colectivas realizadas em Portugal e fora de muros, de divulgar, diariamente, neste meio, a um outro público, o que faço.

A todos o meu agradecimento pela forma cordial como me contactam e analisam o meu trabalho.

Recordo hoje as palavras de Paul Valéry:
“O objectivo profundo do artista é dar mais do que aquilo que tem.”
E vos deixo com a voz sublime de Brél cantando um texto que perturba qualquer um.


domingo, 6 de junho de 2010

As minhas mãos






As Minhas Mãos
As minhas mãos magritas, afiladas,
Tão brancas como a água da nascente,
Lembram pálidas rosas entornadas
Dum regaço de Infanta do Oriente.

Mãos de ninfa, de fada, de vidente,
Pobrezinhas em sedas enroladas,
Virgens mortas em luz amortalhadas
Pelas próprias mãos de oiro do sol-poente.

Magras e brancas... Foram assim feitas...
Mãos de enjeitada porque tu me enjeitas...
Tão doces que elas são! Tão a meu gosto!

Pra que as quero eu - Deus! - Pra que as quero eu?!
Ó minhas mãos, aonde está o céu?
...Aonde estão as linhas do teu rosto?


Florbela Espanca, in "Charneca em Flor"

As mãos fazem tudo: obras-primas e crimes horríveis. Fazem o que a mente manda. Fazem o melhor e o menos recomendável dos seres humanos. Fazem o que define e caracterizam este percurso pelo tempo e pelo espaço. Fazem e não fazem. E encantam ou desgostam. Felizmente e infelizmente. E mais não digo...

Esta fotografia é um retrato das minhas mãos que procuro cuidar para os muitos trabalhos pictóricos que ainda quero fazer. Sou como os pianistas que evitam, a todo o custo, executar tarefas que os impeçam de cumprir a sua função. Hoje, mais do que nunca, procuro ter uma missão: pintar. Pintar para comunicar, ou seja, dizer aos outros através das cores e das formas o que considero certo e abonatório. Eu sou assim.

E vos deixo com “Rapsódia Húngara, nº 2” de Liszt que ficou célebre pelo seu génio pianístico e ...já agora, contam também que tinha umas mãos compridas que lhe permitiram tocar o que tocou e como tocou. Histórias da Música e não só...






sábado, 5 de junho de 2010

Mil imagens




É uma vida de imagens a nossa: umas observadas, contempladas e saborosamente fruídas; outras, apenas e só ... imaginadas -virtuais como o pensamento dos desejos não concretizados. É assim, nesta linguagem, que decorre a versão dos acontecimentos do nosso dia-a-dia, sempre com mais novas imagens (reais e virtuais). É o nosso tempo. E tal como as imagens, as pessoas também passam. Passam e deixam saudades. Também passam e saudades levou-as o vento. E as memórias também.

Estas telas são retratos que fui fazendo paulatinamente, pelo prazer de ver nascer as formas que, conjugadas com as cores, traduzissem a aparência do modelo. Gosto muito de descobrir - nos outros -, aqueles gestos únicos que caracterizam a postura e a beleza da personagem que habita em todos nós.

Como sempre, sou muito rápido a fazer os meus projectos pictóricos. Dois dias foram suficientes para desenhar e pintar cada uma destas peças. É sempre igual, todos os dias: uma luta quase titânica e enfurecida, pelo desejo de conseguir a aparência fisionómica.Trabalho por séries e estes conjuntos pertencem naturalmente a momentos diferentes.O que os une é o tema comum, desta variedade formal que é o rosto de cada um. História da Minha Pintura.

Recordo hoje as palavras de Jean-Paul Sartre:


“O homem não é a soma do que tem, mas a totalidade do que ainda não tem, do que poderia ter.”

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Espelho meu






“Fosse eu apenas, não sei onde ou como,
Uma coisa existente sem viver,
Noite de Vida sem amanhecer
Entre as sirtes do meu dourado assomo....

Fada maliciosa ou incerto gnomo
Fadado houvesse de não pertencer
Meu intuito gloríola com Ter
A árvore do meu uso o único pomo...

Fosse eu uma metáfora somente
Escrita nalgum livro insubsistente
Dum poeta antigo, de alma em outras gamas,

Mas doente, e , num crepúsculo de espadas,
Morrendo entre bandeiras desfraldadas
Na última tarde de um império em chamas... “


Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"


Estas duas telas, de pequeno formato, pintadas em 96, são o registo de ambientes onde as imagens se sobrepõem num jogo de aparências reais e virtuais. A verdade é muitas vezes um intrincado processo de descodificação, que confunde pela semelhança ou pela profunda diferença. Aqui, a conjugação entre a aparente imagem espelhada e a não espelhada é, afinal, apenas mais uma vez, a continuação da ilusão que é a arte e, tantas vezes, a vida.

Estas pinturas fazem parte da série de retratos onde o espelho está presente e em que procurei, de um modo breve, com rostos definir jogos de cores num contexto temático, onde a fisionomia e a caracterização do carácter definem a personalidade de cada um. História da Minha Pintura.

Recordo hoje as palavras de Oscar Wilde:

“São as personalidades e não os princípios que fazem avançar o tempo.”