domingo, 28 de abril de 2013

O velho e o novo

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

O meu pai era inventivo. Arranjava e criava tudo que fosse elétrico e motorizado:  ele era o esquentador; a bomba da água; a torradeira; a mota; tudo, tudo. E eu, domingo sim, domingo sim,  era obrigado a servir de ajudante.  Detestava. Não gostava nada daquele rosário mergulhado em fios, óleos, parafusos e afins. E admirava-o tanto. Sempre achei a criatividade e o engenho como um fascinante mundo novo. E hoje, quando me recordo dele, percebo bem a sua herança. Sempre detestei mexer no ferro, seus derivados e associados mas, pelo contrário, tenho um gosto pela madeira. Não sei se é pela textura, pelo cheiro, pela configuração, pela presença ambiental. E me tornei fazedor de insignificâncias utilizando a madeira como material de recurso. Para um pintor, um cavalete é um instrumento de trabalho:  deve ser sólido e funcional  e, por isso, construí, em tempos idos, alguns para me servirem de acordo com os meus desejos pictóricos, de então. Agora, estou diferente: tenho outra conceção do tempo, do trabalho e ... da preguiça  também. Comprei, recentemente, um novo cavalete: mais moderno, mais ergonómico, mais perfeito. E me lembrei do meu pai. Mais uma vez.  Acontece tanto.
 
 
E vos deixo com as palavras de Cesare Pavese, in “Il Mestiere di Vivere”:
 
“Chega uma época em que nos damos conta de que tudo o que fazemos se transformará em lembrança um dia. É a maturidade. Para alcança-la, é preciso já ter lembranças.”


domingo, 21 de abril de 2013

Falar para as paredes






"Afrodite", 2013
Pintura sobre tela de 81X100 cm





Gosto muito do exercício físico. Sempre gostei. Agora, graças a uma conjuntura (tudo acontece por associação de factos) pratico, regularmente, corrida de corta-mato. Os meus amigos do atletismo levam-me por montes e vales, quer faça sol, chuva, vento, frio ou calor. Nada é desculpa para não correr longas distâncias, enquanto se saboreia o ar dos campos, as suas paisagens e se medita sobre este mundo e o outro. Como me sinto feliz, nestes momentos, porque nada é mais salutar que usufruir dos prazeres simples que a vida comporta. A sensação de liberdade e de domínio das nossas capacidades físicas é o complemento da excelência. O pior é quando pensamos nas outras coisas, naquelas em que apesar dos enormes sacrifícios e dedicação extrema, apenas conseguimos que a nossa voz seja ouvida pelas paredes e o trabalho se reduza a um vazio comunicativo. Acontece muito. Nada melhor, pois, que correr. Atrás do sonho. Ou do engano.






E vos deixo com as palavras de Sebastien-Roch Chamfort:

“Há duas coisas a que temos de nos habituar, sob pena de acharmos a vida insuportável: são as injúrias do tempo e as injustiças dos homens.”

domingo, 14 de abril de 2013

A Vida Continua





 
 
 
 
“Encantos Privados”, 2013
Pintura sobre tela de 81X100 cm
 
 
 
Todos os dias acontecem coisas. Todas importantes. Para uns sim, para os restantes nem tanto. Morre-se de fome, de tristeza e de melancolia. Festeja-se a vitória num campo de futebol; os noivos acalentam esperança; e as crianças alegram o futuro. É esta a roda da vida. Uns partem de vez e outros nascem. Entre lágrimas, de sofrimento e de felicidade, a vida corre. Amanhã é outro dia.
 
 
 
E vos deixo com as palavras de André Gide, in “Os Moedeiros Falsos”:
 
“Na vida, nada se resolve, tudo continua. Permanecemos na incerteza; e chegaremos ao fim sem sabermos com o que podemos contar.”


domingo, 7 de abril de 2013

Os meus dias



 
 
 
 
"Caty", 2013
 Pintura sobre tela
 
 
 
 
 
 
 
Tinha acabado de estar com uns amigos numa conversa de café. Daquelas em que se contam episódios para rir e sem importância alguma para o mundo, mesmo que se digam cobras e lagartos dos políticos, dos safados e, obviamente, dos árbitros de futebol, dos encantos femininos e afins. Pouco depois, dei comigo, caminhando na calçada, enquanto saboreava o sol raro destes dias quase sempre chuvosos, e ia pensando na sorte de viver aqueles instantes: a amizade é de ouro; a luz solar uma dádiva dos deuses; o nosso café único. Tudo bom, exceto os impostos a pagar, a incerteza dos dias e as doenças que o tempo comporta. Não se pode ter tudo. Afinal o infinito nunca acaba e a ambição é um desejo crescente. Dito de outro modo: a vida é bela quando se olha para as coisas simples e se procura a beleza, o encanto e o amor. O problema é quanto tudo se complica e, a realidade é feita de amizades frágeis; o olhar se torna nebuloso; os afetos contextualizam outros valores. Enfim. Vidas. Felizes algumas delas. E amanhã volto a estar com os do costume. Com as conversas de sempre. Para não variar.
 
 
 
 

E vos deixo com um texto judaico extraído da “Máxima Rabínica”:
 
“Todos os dias, a nossa vida recomeça de novo.”