domingo, 28 de outubro de 2012

Fragmento (I)

 
 
 
 
 
 
 
“Fragmento”, 2012
Pintura sobre tela
 
Adoro ir ao cinema. O espaço, as luzes e a magia expectável criam uma atmosfera do encantatório. A grandeza das imagens, a visão fragmentada das mesmas, a sonoridade elevada e o espaço confinado estimulam um outro olhar. Com a envolvência da ação a ficção se torna real e vice-versa. A verdade e a ilusão - essência da arte – conquistam multidões, embora aquilo que os nossos olhos observam é, sempre, apenas uma escolha e um julgamento de valor, entre a imensidão visual. Como pintor, procuro criar imagens que levantem questões, mesmo que sejam muito simples e, talvez por isso, a minha pintura é, penso eu, algumas vezes um olhar cinematográfico.
 
 
 
Ao fragmentar, aqui nesta pintura, uma parte da representação do corpo, sigo o caminho das imagens dos filmes que me acompanham desde sempre. Aquilo que faço é apenas a resultante deste caldo cultural de posturas que visam princípios e valores que mudam. O mesmo torna-se diferente se observado de um outro modo. A arte é uma constante das mesmas questões vistas num outro prisma: novos recursos e novas oportunidades geram obras diferentes sobre as dúvidas existenciais de sempre. Tudo muda nos considerandos. Até o que pensamos do corpo. Do nosso e, também, do corpo dos outros.
 
 
E vos deixo com as palavras de William Shakespeare:
 
“O meu corpo é um jardim, a minha vontade o seu jardineiro.”
 



domingo, 21 de outubro de 2012

Conversas Perdidas

 
 
 
 
“Conversas Perdidas”, 2012
Pintura sobre tela (em construção)
 
 
Não se fala senão na crise. As conversas desembocam sempre no mesmo: impostos insuportáveis, futuro incerto, desemprego a aumentar, bancarrota à vista. A angústia cresce e a tristeza é uma constante. Nada parece agora interessar neste panorama negro e sem fim à vista. Cada dia aparenta ser pior que o anterior. Para onde vamos?
 
Tudo é tão frágil. A condição humana pouco importa em momentos de convulsão e de mudança. Cada um por si é o lema quando a desgraça é muita. Perdeu-se a esperança na vontade e na capacidade. Parece não haver mais ninguém que nos eleve, nos faça sorrir e ter esperança. Já todos desacreditámos. É o nosso fado.
 
Contra a corrente trabalho num limbo de fantasia e esperança. Também não gosto de fazer mais nada. Confesso. Enquanto for possível andarei por aqui mostrando a minha pintura e os estados de alma do momento. A arte é um mostruário de paixão e de sonho, mas todos os sonhos acabam com o despertar da aurora, e todas as paixões são breves. É o meu fado.
 
 
E vos deixo com as palavras de André Suarés:
 
“A arte é o lugar da liberdade perfeita.”
 


domingo, 14 de outubro de 2012

Histórias por contar (III)






 
“Intimidade”, 2012
Pintura sobre tela
 
 
 
As normas são o que são. As regras ou a falta delas definem um modo de ser e estar. O que é hoje certo aqui é errado noutro lugar ou noutro tempo. Enfim, é o mundo que andamos a construir. Com radicalismos e variantes. Infinitamente sempre assim.
 
 
A arte é a expressão da vida em todos os momentos, quer eles sejam banais, singulares, privados ou outros. E por retratar aquilo que somos nem sempre é aceite o olhar do artista. O escândalo de hoje é a normalidade do amanhã pela identidade e pela contextualização. O erotismo e a sexualidade ainda ferem as sensibilidades de alguns, em ambientes insuspeitos, ou não fosse a moldura religiosa uma via de conduta. De todos. Ou quase todos.
 
 
E, porque tudo tem uma explicação, quando era aluno nas Belas-Artes lembro-me de confessar que gostava mais de pintar a representação de pessoas vestidas. Para mim, enquanto pintor, o interesse é unicamente estético. As vestes criam um leque variado de formas e cores que exaltam a composição, em contraponto à simplicidade formal do corpo, embora reconheça que o nu tem sido recorrente na arte de todos os tempos. Com tabus e sem eles. Chegou o momento de voltar ao nu artístico. E esta é a primeira tela de uma série que agora vou mostrar pontualmente, neste caos de julgamentos éticos e de valores desencontrados.
 
 
E vos deixo com as palavras de António Lobo Antunes, in Diário de Notícias (2004):
 
 
“É mais sensual uma mulher vestida do que uma mulher despida. A sensualidade é o intervalo entre a luva e o começo da manga.”
 


domingo, 7 de outubro de 2012

Histórias por contar (II)

 
 
 
 
 
“Namorico”, 2012
Pintura sobre tela, 100x100cm (em construção)
 
 
De miúdo recordo com saudade as noites frias de inverno onde, em casa das minhas tias-avós, à roda da braseira, ouvia as muitas histórias de encantar. Longe de mim a inveja e a soberba. Todo aquele rosário de infindáveis episódios de vida era uma aprendizagem. Sem maldade nos julgamentos opinativos ouvia extasiado novas diárias. Mal sabia eu que ainda hoje me surpreendo com mirabolantes contos. Como tudo muda, nada mudando…
 
E, das muitas histórias, o namorico era assunto constante. De tanto ouvir contar ficou-me este modo de representar picturalmente o lado afetivo. Outros tempos. Outros juízos de valor. Outras sensibilidades. Enfim, o passado.
 
Hoje o que resta é a desvalorização dos costumes. Tudo está tão diferente. É a roda da vida: a ciência evolui; as causas e os valores mudam; e o amanhã depois se verá. Neste percurso de memórias que o tempo leva, outros dirão de sua justiça, ou não fosse tudo tão breve e insignificante, neste universo de muitos mundos, em que a recordação é um espelho difuso de um tempo, e, até, a importância do «eu» é apenas um conceito e nada mais. Tudo se esvai, mesmo as melhores imagens de infância.
 
 
E vos deixo com as palavras de George Sand:
 
“A memória é o perfume da alma.”