quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Fim da linha ou, talvez, não








Tudo começou numa conversa de amigos, todos eles apaixonados por terem um blog. Era a época alta de partilhar ideias e desejos, para uma multidão anónima de crentes na leitura de confissões na net. E eu entrei na onda e nasceu o joaoalfaro.blogspot.com. Depressa descobri que não reunia as condições para manter um público-alvo por muito tempo. É preciso criatividade, disponibilidade e uma consistência na escrita e na periodicidade. Difícil sem dúvida, porque exige muita entrega para continuar. Fui resistindo, resistindo e até tinha fortes razões para continuar com o meu blog. Escrevia e mostrava o meu trabalho pictórico, o que é excelente. Agora, tenho apenas, no fio da navalha, alguns leitores fiéis, mas a maioria "desapareceu". Deixei de fazer contas aos visitantes diários e de descrença em descrença, apenas queria, afinal, ter um "local" para mostrar aleatoriamente o trabalho pictórico.


É sempre muito complicado fazer em simultâneo tantas coisas díspares. A  pintura - a minha grande paixão - cada vez exige mais de mim. E há todo o resto que me preenche. É sempre o tempo que vejo fugir e me angustia. Não sou capaz de partilhar tantas coisas num mesmo periodo. Há quem mereça muito de mim e eu estou, como sempre, longe de tudo. É chegada a hora de novos caminhos, se tiver tempo para os percorrer. Os deuses é que sabem.


A pintura é um manto de descrições, de relatos, de prazeres, de confissões, de descobertas permanentes. E eu, cada vez mais, me fecho na minha concha, como se o mundo fosse agora um buraco negro e eu o queira transformar numa estrela resplandecente. Preciso mesmo de parar. A vida é assim. Há um fim de linha para tudo, talvez eu ainda regresse, mas não depende só de mim. Perguntem aos deuses. É muito difícil agradar a gregos e troianos. Tantas vezes injusto sei o quanto fiz de errado nos muitos caminhos percorridos. Lamento muito o que hoje vejo de censurável em mim, mas de santo nada tenho. Quero agora viver cada dia intensamente e a escrita (que adoro) cai sempre na paleta onde estão as cores do desencanto.


Por último quero agradecer aos que me acompanharam e a quem a minha pintura lhes disse tanto. 


Cheguei ao fim da linha ou, talvez, não.

Até sempre.


segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Beijos sem fim








Lápis de aguarela sobre papel canson de 65 x 100 cm, 2017




O beijo é um contacto físico que tem significado diferente consoante a característica do próprio beijo. Quando alguém gosta de alguém, o beijo  transporta consigo uma carga simbólica que,  transforma a atmosfera do momento numa recordação, num momento de enorme prazer ou, apenas, numa atitude social de amizade ou de circunstância. Sei e sei bem que, o beijo muda a vida de uma pessoa. O resto é conversa ou de fingidores ou de invejosos ou de eternos beijoqueiros...




O beijo, mesmo no relacionamento amoroso, deixou de ser exclusivamente privado para, em certas circunstâncias, obrigatoriamente publico, estou-me a lembrar dos noivos...E porque o beijo faz parte dos afectos, a arte, representação da plenitude da vida tem, através dos tempos, retratado esse momento mágico carregado de verdade, de mentira, de desejos e de fingimentos. Como atento e seguidor das emoções humanas teria, obviamente, de incluir nos temas que retrato esse momento mágico que todos gostam, quando as pessoas e os momentos correspondem.




Felizmente que cada vez mais me acompanham e partilham a minha obra, por isso, eu que trabalho agora com modelos, é-me mais fácil retratar pessoas e assim continuar a ilustrar os temas que preenchem a vida, que é, essencialmente de emoções, que vou mostrando ou com muitos beijos ou...com a falta deles.






E vos deixo com as palavras do poeta e dramaturgo francês do século XIX Alfred de Musset:

“A única linguagem verdadeira no mundo é o beijo.” 


quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Tudo se transforma








A palmeira do meu jardim, à semelhança do que aconteceu em todo o lado, atacada pelo escaravelho, acabou por morrer e, enquanto não apodrecer por completo nem cair, está agora transformada  numa peça, digamos de... arte!



Procuro aproveitar todos os materiais e transformá-los em esculturas quando faço obras em casa. Não sou escultor, confesso, mas adoro pegar em madeiras, pregos, tintas, restos de materiais de diferentes formas para construir peças volumétricas. O volume gerado pela incongruência de objetos que, à priori, foram concebidos para ter uma função e eu alterar por completo o seu propósito fascina-me. E, por isso mesmo, resolvi pegar numas tintas e utilizar a capacidade atraente das cores para alegrar o espaço, onde tanto gosto de partilhar com os amigos do costume. Atendendo às limitações da configuração do que resta da madeira e às próprias características dos materiais possíveis para colorir, aquela que em tempos foi uma palmeira frondosa e luxuriante é, agora, um manto de cores díspares, que irei pintando e pintando, a cada nova estação, mudando assim a sua aparência e, neste mundo onde tudo se transforma, tenho, para meu gáudio, uma escultura mutante no meu jardim...







E vos deixo com as palavras daquele que foi um dos mais conceituados químicos francês, que viveu no século XVIII e é considerado o pai da química moderna, Antoine Lavoisier:



“Na Natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”.





terça-feira, 22 de agosto de 2017

Tempo de pausa
















Há um tempo novo, ou não fosse o tempo sempre novo. É novo porque acontece agora, nestes instantes, nestes dias próximos. Só isso. E o que sucede é simples de explicar: férias ou a miragem delas. Criou-se um modo de estar em que quase é necessário parar, fazer outras coisas, quebrar as rotinas e nada melhor que o verão, para viajar ou fazer dos dias um modo de ser e estar diferente. Em todo o lado, ou as ruas estão cheias de novas gentes, ou quase vazias. Uns chegaram e outros partiram. E porque o tempo e o modo  são outros, eu não consigo pintar com a perturbação dos hábitos e dos novos horários. Há em mim uma necessidade de realizar novos trabalhos, mas a quebra dos comportamentos de todos os que me cercam, inviabilizam a necessidade do rigor absoluto no praticar do exercício laboral. Brevemente, espero regressar em força para fazer o que tanto me preenche. Entretanto, faço muitas outras coisas que também são necessárias e me envolvem e me deixam com uma enorme saudade.



Há em mim uma necessidade de aproveitar o tempo ao máximo no instante vivido. Planear acções para futuros longínquos não fazem parte dos meus planos. Há limitações para os nossos desejos que a inevitabilidade do tempo se encarrega de actuar. As doenças e os imprevistos sociais alteram os sonhos, por isso, agora, mais do que nunca, procuro tirar o máximo partido do momento, porque sei que muito do sonhado se tornou impossível, mesmo aquele que aparentemente era tão acessível, mas acontecem males que não dominamos e o que era óbvio e tão normal, passou a ser uma luta titanica. Enfim. Vidas. A minha, claro....



E vos deixo com as palavras de Steve Jobs que um dia disse:

" Se viveres cada dia como se fosse o último, algum dia estarás provavelmente certo."


segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Arte da Solidão








Estamos no mês de agosto e, como é característico desta época, o calor aperta no mais repousante mês do ano, onde os portugueses se refugiam, muitos deles, nas praias, nas viagens e nos convívios familiares. Para trabalhar eu necessito de um rigor temporal, não condizente com as alterações que o clima traz consigo: preciso da solidão para me deixar levar no fantasioso mundo da criatividade. Sempre assim foi. Ainda no tempo de estudante nas Belas-Artes de Lisboa, mesmo com as salas cheias reinava o silêncio, apenas cortado com as observações do professor nas aulas. Nos dias de hoje, pessoas por perto e os imprevistos não me deixam executar nada. Não consigo. Sou assim. Crio hábitos, rotinas e, quando os horários mudam a tela branca continua branca,  os muitos projetos – anteriormente julgados fáceis de concretizar - esfumam-se na incapacidade de os iniciar. Dito de um outro modo e em suma: sou exigente para pintar...




Quero realizar tantas coisas e conviver também. Preciso das pessoas para dar sentido ao meu caminhar, cheio de momentos bons. O que me apraz, depois de tanto sonhar, é querer consumir os prazeres simples e encantadores que a vida tem e que muitas vezes nem queremos pensar neles. Tenho agora uma vida cheia e a arte da solidão é a minha companhia de todos os dias, quer trabalhe quer não, porque há em mim este gostar tanto de consumir a simplicidade do estar, com muita música clássica e desejos sem fim, longe, muito longe...até de mim.






E, vos deixo com as palavras do cronista e escritor Joel Neto que, um dia escreveu, in “A Vida no Campo”:



“Ainda é a rotina que buscamos, como um ideal. Não conheço melhor instrumento. Permite-nos ir chegando para o lado tudo o que é mecânico, ou burocrático, ou aborrecido – e, entretanto, viver. A rotina é o inimigo número um do tédio.”

quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Regressar ao futuro é preciso











Comecei o dia a apanhar figos e maracujás. A brisa e o contacto direto com a natureza fazem-me bem. Gosto de estar na paisagem verdejante, embora o mar seja fascinante e me encante tudo nele: o cheiro marinho, o constante ondular, a atmosfera das praias, as cores e suas gentes tão disponíveis, para saborear a beleza única dada pela água com seus medos e histórias sem fim, sobretudo, quanto o calor chega e conduz tantos aos prazeres dos banhos, quer sejam eles de sol ou de mar. Mas é tão bom eu ter a possibilidade de, logo pela manhã, recordar um pouco da minha infância neste elo com a terra e o que ela dá, depois ... é saborear a doçura de figos e maracujás.





E o trabalho chama por mim, ultimamente numa irregularidade pouco comum. Preciso, para produzir, sempre de um enorme rigor na gestão do tempo. As horas fogem e tudo tem de ser bem gerido para que cada dia seja frutuoso e, essencialmente, o mais agradável possível porque tudo é tão breve. O futuro é já amanhã e é preciso regressar para continuar a alimentar o sonho de realizar obras que ficarão para os meus vindouros, se houver quem delas goste. Todos os dias, logo bem cedo começo a trabalhar, porque, confesso, sou um comprador compulsivo de materiais de pintura. Tenho tantos pincéis, tantas telas e tantos outros utensílios que, agora sei, jamais conseguirei usar, mesmo nesta azáfama laboral. Agora, estou numa ansiedade de retratar pessoas utilizando o desenho como meio de expressão, donde, a necessidade de ter à mão os meios julgados necessários, dito por outras palavras: comprei mais folhas, lápis e molduras. Vícios...para continuar a produzir novas obras que nem sei para onde me levarão, o que é fascinante, porque é preciso regressar ao futuro.








E vos deixo com as palavras do político, orador e escritor irlandês do século XVIII, Edmund Burke que um dia disse:




“ Nunca se pode planear o futuro pelo passado.”


quarta-feira, 19 de julho de 2017

Desenhos








Desenhos a pastel de óleo sobre papel





Adoro o que faço. As horas passam depressa demais e num ápice o dia acaba, e fico sempre ansioso por começar logo bem cedo. É esta a minha rotina. Tenho tanto para fazer que nunca me chegam as muitas horas que passo entregue ao meu mundo de fantasia. Sou daqueles artistas que só se sentem bem trabalhando e, só não faço mais porque pesam sobre mim outros compromissos, que me obrigam a estar fora do meu antro. Procuro cultivar a amizade junto de artistas e de amigos de longa data, para conseguir o equilíbrio emocional, quando nem tudo corre como gostaríamos. Há deuses comigo, mas ainda é cedo para me deixar vencer, porque tenho a pintura que é milagreira e me dá alento todos os dias, mesmo que haja furiosos construtores do universo pouco simpáticos com a minha pessoa.



Agora ando fascinado com o desenho, porque há tanto para descobrir em cada trabalho. Sem dúvida que tentar captar a singularidade de cada um - quando retrato alguém - com materiais simples como é uma folha de papel, lápis de cor e algumas tintas é, simplesmente, fascinante. Ver nascer as formas idealizadas e elas próprias terem autonomia e interligarem com diferentes emoções é gratificante. Por gostar tanto de ir descobrindo as potencialidades dos materiais e as várias técnicas, o tempo se escoa rapidamente e fica sempre, todos os dias, o desejo de fazer mais e mais, nesta caminhada onde o importante é o momento da criação, porque é apenas aí que reside o fundamental: o desejo prazeroso.





E vos deixo com as palavras do poeta e filósofo francês  Gaston Barchelard, que um dia disse:



“O homem é a criação do desejo e não a criação da necessidade.”


segunda-feira, 10 de julho de 2017

Eu e Mozart










Recentemente num contexto desfavorável ( a história tem o interesse que tem e é curiosa porque a vida resulta dos acasos) descobri uma estação de rádio na net. Atualmente, por questões de saúde, ou melhor dizendo... da falta dela, vejo-me obrigado a estar diariamente sujeito a tratamentos hospitalares, que levam o seu tempo a fazer efeito e, na sala onde estou, tenho por companhia a música. Sempre sintonizada na mesma estação, sempre sem publicidade, sempre sem narrativas vazias. Por estas razões depressa conheci ( pelo acaso, embora nada seja por acaso...) a Radionomy, onde a Radio Mozart tem os predicados que ambiciono. Agora ela faz parte dos meus dias enquanto trabalho no ateliê. Sempre me deixei envolver pelos encantos musicais enquanto construía o meu imaginário nas artes plásticas. Longe vão os tempos da procura da música desejada na radio, então infelizmente repleta de ruídos hertzianos e, pior ainda dos discos vinil. Agora basta sintonizar a internet (que não tem ruídos), a nosso belo prazer e optar pelas escolhas desejadas. Nada melhor que Mozart, todo o Mozart e só Mozart para me acompanhar enquanto me deixo levar pelas cores e formas plásticas, quer seja no papel ou na tela. Tudo isto para dizer que por detrás do meu trabalho pictórico está um génio musical que, desde adolescente, me fascina: Mozart, pois claro.



E, porque passo muito tempo quase estático, o desenho é a solução para preencher um pouco de mim. É encantador ver surgir num ápice ( porque com mais rapidez desenho) a representação de pessoas em momentos especiais, que fazem parte da temática que quero associada ao meu trabalho enquanto artista plástico. Confesso, porém, que já tenho saudades da pintura, apesar do desenho me fascinar, mas preciso, como de pão para a boca, de pintar e pintar, porque quase nada ainda fiz nesta passagem breve da existência. A ver vamos se os acasos me ajudam. Assim espero, com a música dele: Mozart, pois claro.





E vos deixo com as palavras do ator e dramaturgo francês Sacha Guitry:

“Quando se acaba de ouvir um trecho de Mozart, o silêncio que se lhe segue ainda é dele.”

terça-feira, 4 de julho de 2017

Ausente








Sempre estive ausente. Nunca fui alguém que estivesse fosse onde fosse. Mesmo fisicamente estando aqui ou ali, nunca saí do mesmo lugar. Onde estou sempre é no meu ateliê. E só nele, talvez porque trago, em mim, este desejo de querer transformar a minha existência num outro enquadramento. Gosto muito da cosmologia, sendo um leigo na matéria, confesso. E é por querer saber como é este universo e o porquê da nossa existência, que só me sinto minimamente em paz comigo mesmo, quando procuro, através da arte, dar um sentido ao que faço. Sei bem que o preço tem sido muito elevado. Demasiado até. Perdi muito. Deixei fugir tanto, porque sempre soube que só tinha um caminho: pintar.



Conscientemente sei onde estou e o que sou agora e, porque penso deste modo, o meu andar errático pela paleta e seus encantos vale o que vale, num tempo que escoa e que tem normas de difícil aceitação perante os meus valores, mas pouco me interessa, enquanto tiver capacidade para me deleitar com o que gosto tanto de fazer, os dias correm depressa e me deixam sempre com uma vontade férrea de fazer mais e mais, mesmo que o produto final seja tão distante dos palcos da ribalta. Sei que a vida é bela e simples. Basta-me tão pouco para me prazentear, mesmo consciente que dos ausentes não reza a história






Recordo hoje as palavras do grande poeta, dramaturgo, actor e compositor inglês William Shakespeare que um dia escreveu:



“Sofremos muito com o pouco que nos falta e gozamos pouco o muito que temos.”





terça-feira, 27 de junho de 2017

Tempo morto
















A arte é sempre a expressão do seu tempo, porque faz uso da tecnologia em que se afirma e do pensamento reinante da época vigente. Esporadicamente há episódios que, pela perturbação social do instante vivido, provocam inevitavelmente uma orientação diferente no sentir  e no significado do estar em sociedade. Depois, passado esse período, escasso ou mais prolongado, tudo volta à normalidade. Falo assim pela tragédia que está bem patente em todos e que brevemente só raramente será recordada. A verdade é que, enquanto continuava a fazer o mesmo de sempre na temática pictórica que agora me seduz, não me sentia enquadrado com o estado de espírito chocante de todos. Foram dias e ainda são de inquietude, porque a fatalidade mesmo longe é fatalidade, quer seja com gente que nos é próxima, ou com outros que apenas sabemos que o azar na roleta da existência bateu à porta, fazendo com que não nos esqueçamos da fragilidade da existência e da brevidade deste caminhar, que pode a qualquer instante ruir definitivamente.




Agora ainda não reúno as condições para pintar como tanto gosto de fazer, porque há um mar para me distrair e apoquentar, por isso prefiro fazer esboços que são, afinal, estudos prévios e formas continuadas de estar sempre, sempre e sempre a trabalhar. Talvez brevemente consiga circular de um lado para o outro e pintar, por agora não posso e  os desenhos, como recurso, aparecem todos os dias, não tendo, portanto, nenhum tempo morto, nesta minha existência em que a arte é a minha seiva. Felizmente.









E vos deixo com as palavras do escritor e cientista americano do século XVII  Benjamim Franklin que um dia disse:



“ Seja cortês com todos, sociável com muitos, íntimo de poucos, amigo de um e inimigo de nenhum.”

segunda-feira, 19 de junho de 2017

Razões












Estive no Porto a passear pela cidade e, reconheço, a razão maior foi visitar as galerias de arte que, numa só rua da Invicta - a Miguel Bombarda - criam uma atmosfera artística específica, sobretudo no dia das inaugurações simultâneas. Muito do que conheço por esse mundo fora teve sempre como objetivo primeiro conhecer obras de arte. Não é a praia, nem a natureza, nem outros eventos que me seduzem: é a pintura. Fui, confesso aqui, uma vez à Áustria só para ver a obra do Klimt, olhos nos olhos. Sou de uma civilização que adora a imagem e não me vejo a viver num outro contexto em que a arte tem regras afuniladas. Isso não.




E, porque gosto tanto das artes plásticas, da ópera,  assim como dos espectáculos de palco, tenho tido a sorte de viver, felizmente, sempre numa atmosfera  em que a criação artística é o apanágio do meu caminhar, embora todo ele seja na penumbra, todavia, quando menos espero as boas notícias chegam: ou é a possibilidade de mostrar obras em conceituadas galerias; ou é saber que há pessoas de tão longe ( do outro lado do oceano) que adquiriram peças minhas. Devagar, devagarinho vou sonhando e vivendo. Umas vezes barafustando com razão ou não, porque só não me zango (silenciosamente) com as telas, claro!







E vos deixo com as palavras do poeta italiano Arturo Graf que um dia disse:


“O saber e a razão falam; a ignorância e o erro gritam.”




segunda-feira, 5 de junho de 2017

Colecionar









Desenhos sobre cartolina, 2017
Retratos de família ( sempre a aumentar)






Comecei pelos selos, como era normal na minha adolescência, mas rapidamente o meu interesse esmoreceu, porque entendi que se exigia meios e processos que não dispunha para colecionar, embora reconhecendo o poder mágico das imagens e as histórias envolventes tão ao meu gosto contemplativo.


Hoje já não, talvez porque o espaço físico e a percepção do tempo ou do que dele me resta, faz com que eu apenas queira pintar, sem apêgo aos bens materiais, senão aos imprescindíveis, mas tenho, confesso, algumas coleções. Fui um dia ao extinto Museu do Brinquedo em Sintra e me apaixonei por todo aquele universo lúdico, depois... comecei a adquirir em madeira primeiro, depois em lata os brinquedos. E tenho a casa cheia de referências infantis que tanto aparecem na minha pintura.


 Houve um tempo em que adorava percorrer o país e nas feiras comprava artesanato. As cores ( sempre as cores) e as formas da olaria e dos barros de Barcelos me encantavam e acabei por adquirir tantas peças que se foram amontoando e amontoando.


O fascínio pela encenação, pelo teatro, pelos espectáculos de palco fizeram-me querer colecionar máscaras, sobretudo as africanas, talvez por causa das minhas origens natalícias.


Agora estou a colecionar retratos, feitos por mim, claro, no entanto, porque gosto de viver rodeado de obras de arte fui juntando trabalhos de outros artistas,  não tenho mais porque as paredes não crescem e o meu tempo é tão curto.






E vos deixo com as palavras do filósofo chinês Lao-Tsé que um dia disse:

“Nada é impossível a quem pratica a contemplação. Com ela, tornamo-nos senhores do mundo.”

segunda-feira, 29 de maio de 2017

Álbuns







"Retratos de família,"

Lápis de cor e pastel de óleo sobre cartolina.







Houve um tempo – antes do aparecimento da fotografia digital – em que fazia parte dos meus hábitos ter álbuns de fotografias. Curiosamente, aquele cuidado tido até aí com a identificação e o preservar adequado do registo de tudo o que eu ia fazendo com a máquina, acabou. Agora, porque é tão banal fotografar, deixei de ter aquele encanto que sentia quando fotografava.  Tenho ainda presente a primeira vez que fui fotografado num estúdio. Recordo o cenário e as luzes fortes que me deixaram uma imagem que não esquecerei. Foi talvez esse episódio de infância que me aproximou do retrato. E porque já não é a fotografia em si que me seduz, procuro tirar partido dela própria para reconstruir retratos feitos por mim, com os materiais tradicionais das artes plásticas: lápis e tintas sobre papéis.




O fascinante para mim é a descoberta constante que a pintura me dá. Vivo num tempo de inovação permanente, com tecnologias sempre a surgirem e a criarem novas perspectivas e posturas sociais contextualizadas, e porque assim é, procuro acompanhar com os meios tradicionais das artes e construir pontes entre o passado e o futuro. Esta série que agora ando a fazer dos retratos familiares, mais não são que passeios pelo recordar dos catálogos de fotografias de um tempo, que eu quero prolongar através da magia que a pintura me dá.









E vos deixo com as palavras do escritor francês do século XIX, Gustave Flaubert, que um dia escreveu:




“As recordações não povoam a nossa solidão, como se costuma dizer; antes pelo contrário, tornam-na mais profunda.”




quinta-feira, 25 de maio de 2017

Retratos de família













Há momentos de encontro entre familiares e amigos. Umas vezes nos locais mais aprazíveis e convidativos aos prazeres da amizade e do saber viver; outras vezes, porém, no pior dos sítios: o cemitério. Desde muito novo, tenho imagens de criança, onde a presença de muitos, infelizmente, tinha como razão maior a despedida eterna. Mas há, também, aqueles reencontros onde o festejar com alegria é o que traz tantos a um evento em nome de alguém ou de algum projeto de vida. E é dos momentos bons que quero destacar e recordar. Vou agora iniciar uma série de desenhos sobre a minha família e amigos próximos, para fixar no tempo a aparência de cada um.






Retratar nas artes plásticas alguém é ultrapassar a identificação fisionómica e transpor para outros horizontes, onde se misturam valores e princípios, beleza e fealdade, incógnitas e certezas que só o tempo fará perdurar e criar imaginários especulativos se, obviamente, a obra comportar tanto de tão pouco.




E vos deixo com as palavras do escritor russo Lev Tolstoi que um dia escreveu:



“As famílias felizes parecem-se todas; as famílias infelizes são iguais cada uma à sua maneira.”





segunda-feira, 15 de maio de 2017

Diários










Pedaços de mim espalhados pelos cantos desordenadamente, claro.






Havia os diários, uns cadernos onde se escrevia ( sobretudo os mais jovens ou os necessitados da escrita), os lamentos ou os sonhos pessoais, dentro do maior segredo, porque as confissões eram isso mesmo: relatos de desejos reprimidos e de puritanos prazeres... Outros tempos, sem dúvida. Agora já não há diários do íntimo, carregados de confissões, de descargas morais, de reprimendas pessoais fechadas no círculo do próprio escriba. Hoje tudo está bem diferente. No espaço público de maior exposição – TV ou Internet – muito é relatado na primeira pessoa. Longe vão os tempos dos segredos caseiros, porque se vive actualmente no desejo ardente da notoriedade, mesmo que fátua e desgraçadamente triste.


Sempre houve escárnio e mal dizer, próprio dos meios pequenos onde a inveja é rainha, todavia, impera nos dias de hoje, outros medos que ultrapassam a crítica do vizinho, do próximo ou dos maldizentes de tudo e de coisa alguma. Os perigos são muitos, com monstros a nascerem do vazio, mas a vida é feita de esperança e de crença num amanhã melhor, apesar de muitos indiferentes a tudo se deixarem visualizar pelos cantos da casa, pelos percursos festivos e por dá cá aquela palha. Acreditamos sempre na bondade e na felicidade. Depois, se as coisas correrem bem é maravilhoso, se os desfechos são catastróficos a culpa é do azar, obviamente.....(mas esse é outro filme, porque de filmes romanceados se faz a vidinha de muito boa gente).


Eu muito mostro de mim, mais uns quantos que comigo se cruzam me expõem por todo o lado. A net e a fotografia digital, instrumentos que são quase uma parte do nosso corpo, fazem o resto. Não se pode evitar a exposição pública num tempo onde a imagem é uma constante em todo o lado. Uma fobia. Enfim...


Eu apenas quero mostrar o meu trabalho pictórico e apenas isso, porque o resto faz parte do diário com os segredos pessoais, embora ciente que a pintura é um diário aberto.





E vos deixo com as palavras do poeta Fernando Pessoa, que um dia disse:

“Não confessar nunca o que intimamente se passa convosco, Quem confessa é um débil.”


terça-feira, 9 de maio de 2017

O melhor do mundo são as crianças, o resto é conversa












As pessoas são muito complicadas. Por questões simples se desfazem amizades e se silencia para o resto da vida uma relação ou convivência, por dá cá aquela palha, mas que tinha tudo para dar certo. Enfim, a natureza humana depois de tanta aprendizagem continua igual, mesmo os muito aprendidos na arte dos livros e da sabedoria escolástica aperfeiçoada. Estar bem consigo próprio e com o mundo é tarefa quase impossível, ou não fosse a insatisfação a razão maior para tanta mudança e procura sem fim. Um dia acordamos todos e pensamos bem naquilo que vale a pena e é importante, todavia, depressa, muito depressa a negação do óbvio chega logo e, o negativismo, claro, ocupa o lugar de destaque. Em tudo. Até no que mais queremos.




E há as crianças. Felizmente. Por muitas tormentas e interrogações nada é melhor que um sorriso, um olhar vibrante e uma voz doce de uma criança. Não há melhor que gostar de um pedaço de nós, mesmo longe, muito longe, porque o resto é conversa. De adultos, claro.






E vos deixo com as palavras do biólogo francês do século XIX, Louis Pasteur, que um dia disse:



“Quando vejo uma criança, ela inspira-me dois sentimentos: ternura, pelo que é, e respeito pelo que pode vir a ser.”


terça-feira, 2 de maio de 2017

Acreditar nos livros






Houve um tempo antes do livro em papel, digamos. Há agora uma realidade social que vive sem eles, os livros, claro. Dois mundos distintos. A magia que a simbologia transmitida pela elegância cultural tinha inerente, deu lugar ao vazio das estantes, sem o vislumbre dos grandes nomes que construiram um edificado de ideias. Era mágico publicar um manual. Depois tantos, sem saberem juntar as palavras, começaram a editar em nome de outros. A informática fez o resto. Da necessidade de saborear as páginas e de sentir o cheiro, a textura e o grafismo, se deu lugar à velocidade de consumir, de um outro modo, a transmissão de ideias. Mas há quem resista, uns porque ainda não compreenderam o presente, outros porque se acham merecedores de ultrapassar o inevitável. Eu que nada sei, só sei que vivo de recordações. Saudáveis com os livros por perto.



Pediram-me para ilustrar, mais uma vez, um livro. Gosto de ser prestável, embora não acredite no milagre dos peixes, nem em outros milagres, melhor dizendo: não há milagres. Ponto. Mas não sei dizer não (uma das minhas fraquezas...). E fiz (ainda estou a fazer, melhor dizendo), porque não consigo me desligar do que acredito, mesmo contra ventos e marés. Talvez um dia nos escaparates mais um livro em que ajudei, este sobre a cruzada dos mistérios religiosos, eu que sou agnóstico..., mas um livro é um livro.






E vos deixo com as palavras do padre António Vieira, que viveu no século XVII, e que um dia disse:




“ O livro é um mundo que fala, um surdo que responde, um cego que guia, um morto que vive.”

terça-feira, 25 de abril de 2017

Sei que só há uma liberdade












Há um antes e um depois. Em 74 era ainda um jovem cheio de sonhos e incertezas. Agora continuam algumas das incertezas e quanto a muitos dos sonhos, esses partiram... de vez. Sou, obviamente, uma outra pessoa, no entanto, como marca determinante no meu caminhar, foi este continuado amor pela arte e pelos valores da cultura ocidental. Foi um caminhar de encontros e desencontros; de certezas e muitas dúvidas; de atitudes corretas e outras não; de enganos e descobertas; de dias felizes e outros nem tanto, felizmente, contudo, entre o deve e o haver muito do desejado se realizou. E por isso me sinto feliz. Muito.



Agora, vivendo uma fase da vida em que o tempo e o modo são os desejados, tanto quanto é possível no contexto social, lamento todavia que não tenha tido o alcance - no campo artístico - do imaginário oriundo dos tempos juvenis ( como é bom sonhar na juventude) e aqui estou eu a trabalhar com o amor e a dedicação de sempre, mesmo que mediaticamente seja quase tudo no anonimato e sem o alcance que  julguei antes de 74.



Falta tanto ainda por realizar. Tenho em mim projetos sem fim e é o que me preenche e me dá energia e vitalidade, para querer fazer sempre mais e melhor, mesmo reconhecendo que tudo muda tão depressa, receando não conseguir acompanhar tantas mudanças, mesmo querendo estar atento à realidade circundante. E porque sou um cidadão do mundo tenho também outros interesses que passam para fora do meu ateliê e que se inscrevem nos valores da democracia, da justiça  e da liberdade, que irei sempre defender e dar a cara, enquanto tiver forças.







E vos deixo com as palavras do escritor francês do século XX, Antoine de Saint-Exupéry, que um dia disse:



“Sei que só há uma liberdade: a do pensamento.”

terça-feira, 18 de abril de 2017

O meu mundo














João Alfaro

Pastel de óleo sobre cartolina, 2017






Quando se olha com outros olhos, o que ontem era insignificante, hoje pode ter uma valorização nunca antes imaginada. Passear por Lisboa ( como foi no domingo), num dia de sol, onde quase todos pareciam querer usufruir do espaço e do tempo, foi maravilhoso. Pensando bem, o edificado que tantos outros nos deixaram, faz as delícias quando olhamos com olhos de ver, mesmo que haja sempre inquietações, dúvidas e incertezas do amanhã. Foi graças a gente anónima que os dias podem ser encantadores - olhando a arquitectura e a paisagem transformada -, ou trágicos, porque depende do imprevisto que é andar por este território sinuoso.




O amanhã nunca ninguém o viu e, no entanto, por causa da incerteza constante que reserva o dia seguinte e todos os outros ( se os houver) provoca, em muitos, tristeza e ansiedade, quase sempre injustificadas, mas necessárias para que o realismo esteja presente, e não se deixe vencer pela fantasia dos castelos principescos das histórias da carochinha. Cada um vive um sonho e uma angústia, porque só resta um caminho para triunfar: lutar com crença. Os episódios do trilhar indicam paulatinamente o certo e o errado na consciência cultural de uma pessoa. Amanhã é outro dia e depois logo se vê...




A actividade humana pressupõe  uma necessidade social, todavia, muito do que se faz hoje não tem utilidade nenhuma face à produção em excesso em alguns domínios. Estraga-se tanto, até em alimentos, em medicamentos e em bens essenciais ao viver, mesmo tantos morrendo de fome e sem assistência médica, porém há que acreditar na necessidade de construir um mundo melhor. E eu, na minha insignificância, pinto todos os dias porque acredito que a arte ajuda a transformar o mundo para melhor , sendo apenas um construtor de imagens, sobretudo dos que me cercam, neste universo restrito de dias felizes e outros nem tanto. Basta partilhar uns breves momentos com quem gostamos tanto,  para que o sol pareça resplandecente ou, pelo contrário, o negrume preencha o espírito e a alma, pela ausência. 









E vos deixo com as palavras do romancista inglês do século XVIII, Horace Walpole, que um dia disse:



“ O mundo é uma comédia para aqueles que pensam, uma tragédia para aqueles que sentem.”




segunda-feira, 10 de abril de 2017

Amantes







João Alfaro

"Amantes de Pompeia", 2017 díptico de 180 x 100 cm

Pintura sobre tela (técnica mista: acrílicos e anilinas)




Quando começo a pintar uma nova tela, seja ela qual for, independentemente das dimensões, das técnicas e das condições materiais , há sempre uma razão diferente, única. Agora, porque sou um eterno pesquisador, tenho um novo projeto que concilia a utilização de novos materiais com um tema eterno como o mundo: os amantes.



O que me dá prazer é a mistura das cores nas telas, e o ver nascer formas por mim concebidas na temática que me seduz, em cada novo desafio. Agora num mundo tão inovador, de invenções tecnológicas constantes, com tanta mutação nos gostos, nos desejos e nas circunstâncias, quero, apesar disso tudo, continuar na senda secular dos grandes mestres, mesmo sabendo como muda tudo tão depressa mas, reafirmo, tenho um fascínio incomensurável pela pintura, que me leva a optar pelo trabalhar mais e mais, talvez para esquecer sem esquecer, porque sou um cidadão do mundo e me inquieto com a injustiça e a hipocrisia. É na solidão do ateliê que encontro a paz e a serenidade, pois quando saio do meu espaço de eleição vejo o mundo muitas vezes com cores sombrias e formas horrendas e prefiro, por isso mesmo, viver num limbo, como se fosse tudo tão insignificante e eu um comunicador sem voz, apenas apresentando imagens com gente dentro, meditando nos prazeres e nas fantasias da existência.








E vos deixo com as palavras de José Mourinho que um dia disse, “No doutoramento honoris causa”:





“ O Mundo é tão competitivo, agressivo, desgastante, egoísta e durante o tempo que passamos aqui temos de ser tudo menos isso.”

segunda-feira, 3 de abril de 2017

Mais um passo









De novo, em outra caminhada, com projectos já na calha, depois de terminada mais uma exposição, desta feita colectiva, em que cada um teve um espaço próprio, ficando assim bem explícito o trabalho de uns e de outros separadamente. E porque é necessário continuar a acreditar que há tanto ainda por fazer, já estou envolvido na criação de obras com fins diversos. Nunca é demais dizer que é aliciante ter sempre desejo de criar peças que transportem consigo  cargas simbólicas de infinitos imaginários. Mais um passo e outro e mais outro esperam por mim, todos os dias, na rota da (minha) pintura.


Agora mais do mesmo: trabalho persistente e rigoroso ( horário fixo )  mais crença, bastam para querer ir por aí em busca de algo. Preciso, como de pão para a boca, de me envolver em episódios artísticos, em que a solicitação é uma constante e, a ambição de corresponder ao pedido, um dever. Depois é feito o juízo final, em que se mantém obrigatoriamente a saudável teimosia de não parar e estar na crista da onda do pintar, mesmo que seja sempre na solidão do atelier.


Desenhar e pintar, em simultâneo, é uma norma, para que haja um exercício permanente, dado que todo o trabalho artístico é exigente e impulsivo, pois não há como dar passos senão na exigência.





E vos deixo com as palavras de Vergílio Ferreira, que um dia disse, in “ A Solidão do Artista”:




“Diz-se às vezes de certas pessoas, e para isso se reprovar, que têm dupla personalidade. Mas dupla ou múltipla têm-na normalmente os artistas....”