segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Animais de estimação





Precisamos todos, todos mesmo, de companhia para vencer a solidão e o silêncio do vazio. Precisamos de sentir, ao pé de nós, um pulsar. E quando nos falta o calor humano recorremos aos animais. Cães e gatos são hoje uma presença constante nos muitos lares vazios de gente. E são eles, quantas vezes, os nossos únicos companheiros. Coisas dos tempos. Tempos dos afectos trocados.


Estes desenhos são apontamentos espontâneos dos animais que preenchem os cantinhos das nossas casas. Aqui, como sempre, procuro registar com linhas múltiplas o recorte formal da configuração do que pretendo desenhar. Não uso borracha e quando o traço não passa pelo local certo a solução é simples: risco de novo. Os meus desenhos são um conjunto de linhas "certas" e linhas "erradas". Linhas que originam desenhos e estes podem ser o embrião de pinturas, já que tudo o que pinto é iniciado com desenhos, uns mais, outros menos elaborados, mas, mas mesmo todos, nascidos de emoções ou desejos de retratar a realidade. História da Minha Pintura.


E recordo Paolo Mantegazza que escreveu:

"Os afectos podem às vezes somar-se; subtrair-se, nunca."

E vos deixo hoje com a 7 ª sinfonia de Beethoven que tem a vitalidade, a energia e a paixão que tanto nos falta hoje, neste mundo cheio de vencidos da vida.




domingo, 29 de novembro de 2009

A taberna





Era ali. Ali, mesmo ao lado da minha casa. Era a taberna. A taberna onde via entrar os que queriam esquecer as agruras da vida. Era ali que via, extasiado, jogarem aos matraquilhos. Era o Benfica contra o Sporting. Que maravilha. E assim foi a minha segunda infância, vendo, vendo as fraquezas dos homens. E, porque assim foi, o meu estúdio tem uma mesa de matraquilhos que é, afinal, a alegoria do regresso ao passado. E foram as cores, as formas dos bonecos, os cheiros, as vozes e tudo aquilo que me fascinou que, ainda hoje, coloco nas minhas obras. História da Minha Pintura.


Recordo hoje as palavras de Thomas Carlyle:

"O homem nasceu para lutar e a sua vida é uma eterna batalha."




E vos deixo com a música de Brahms e a genialidade de Maxim Vengerov em Dança Húngara nº 5.



sábado, 28 de novembro de 2009

A casa da tia-avó




"...Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo isto;
Mas acho que isto deve estar bem porque o penso sem estorvo,
Nem ideia de outras pessoas a ouvir-me pensar;
Porque o penso sem pensamentos
Porque o digo como as minhas palavras o dizem..."

Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos" Heterónimo de Fernando Pessoa

Não me lembro da única avó que me conheceu. Tenho as fotografias que atestam a comunhão entre mim e a mãe do meu pai. Apenas isso. E só isso. E é este nosso modo existencial, em que o melhor de nós não passa para as gerações futuras, que nos demonstra, mais uma vez, a nossa menoridade, comparativamente à grandeza da vida e dos deuses, sejam eles o que forem. E, como desenhador compulsivo, registei os ambientes, as pessoas, o contexto, os modos de estar e ser dos meus tios-avós que, felizmente, conheci. Os desenhos comprovam essas vivências. Aqui, o mobiliário é um certificado do posicionamento social que a minha pena captou em tempos longínquos. Era maravilhoso, todos os dias, surgia com o meu caderno e desenhava, desenhava e eles adoravam. Viam nascer as formas, os rostos, as parecenças e eu feliz ficava. História da Minha Pintura.

E vos deixo com a música que vinda da Áustria e criada por Johan Strauss encantou o mundo:"Valsa de Viena".


sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Dois mundos






Há dois mundos: há o mundo real e o mundo da fantasia. O primeiro é o nosso dia-a-dia; o segundo é a fuga que encontramos para fugir do dia-a-dia. O real é o desejo de construir e ter esperança. A fantasia é o viver nos sonhos do inconsciente enquanto dormimos, ou, conscientemente sonhamos com o maravilhoso e o fantástico. E é este nosso andar que nos leva por caminhos de encontros e desencontros. Sempre e sempre.

Este meu trabalho, que esteve patente numa galeria de Lisboa, surgiu de um convite muitos tempo antes da exposição que invadiu a nossa capital. Aqui, utilizei os meus brinquedos de madeira, como inspiração, para fantasiar a minha atitude perante a arte e a vida.

Hoje recordo Fernando Pessoa:

“O mundo não é verdadeiro, mas é real.”

E vos deixo com a mestria, ao violino, de Vengerov, sob a batuta de Kurt Mazur ( o maestro que mais aprecio) e a música de Dvorak.


quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Nem sempre sou igual



Nem Sempre sou Igual no que Digo e Escrevo

Nem sempre sou igual no que digo e escrevo.
Mudo, mas não mudo muito.
A cor das flores não é a mesma ao sol
De que quando uma nuvem passa
Ou quando entra a noite
E as flores são cores da sombra.
Mas quem olha bem vê que são as mesmas flores.
Por isso quando pareço não concordar comigo,
Reparem bem para mim:
Se estava virado para a direita,
Voltei-me agora para a esquerda,
Mas sou sempre eu, assente sobre os mesmos pés –
O mesmo sempre, graças ao céu e à terra
E aos meus olhos e ouvidos atentos
E à minha clara simplicidade de alma...


Alberto Caeiro, in “O Guardador de Rebanhos – Poema XXIX”
Heterónimo de Fernando Pessoa.

Esta pintura, em tela, é parte de um biombo, de grandes dimensões. A ideia deste trabalho nasceu de uma proposta e que se traduziu na feitura de cinco biombos. Primeiro coloquei as telas no chão e construí com fios, alfinetes , régua e esquadro a “arquitectura” da pintura. Depois do desenho feito passo para a pintura propriamente dita, ou seja, tintas e pincéis num jogo de construções e destruições. E começa então a “guerra” com alegrias e muitas desilusões. História da Minha Pintura.


E vos deixo com a voz perturbadora de Maria Callas em Casta Diva da ópera a Norma de Bellini.



quarta-feira, 25 de novembro de 2009

O testamento


O Testamento dos Namorados

Escolhamos as coisas mais inúteis
o verde água o rumor das frutas
e partamos como quem sai
ao domingo naturalmente.
Deixemos entretanto o sinal
de ter existido carnalmente:
da tua força um castiçal
da minha fragilidade um pente.
Esse hieróglifo essa lousa
deixemos para que uma criança
a encontre como quem ousa
um novo passo de dança.
Natália Correia, in "O Vinho e a Lira"


Esta pintura em tela, de grande formato, fez parte da série de biombos que realizei em 96 e que agora apresento por fragmentos. Mais uma vez, o jogo dos simultâneos, o interior e exterior formam uma temática de relacionamento humano. Neste período utilizava umas tintas que me fascinavam pelo cromatismo saturado e procurava que as formas fossem simples mas precisas esteticamente. História da Minha Pintura.

E vos deixo com a Traviat de Verdi que, como se sabe, encantou a Itália e continua a fascinar pela música e pelas histórias trágicas que o amor tece.


terça-feira, 24 de novembro de 2009

A nossa imagem





É o nosso tempo. É o nosso modo de estar e pensar. É o nosso desejo de fazermos parte da plebe sem constrangimentos. E porque é o nosso tempo construímos a nossa imagem à semelhança das atitudes e valores sociais contemporâneos. E assim vamos edificando a nossa imagem de acordo com o que nos cerca. Para o melhor e para o pior. Como sempre.

Estes dois desenhos fazem parte de um fragmentado trabalho onde procurei criar uma imagem de mim. Com o auxílio do espelho e com papéis de formato A4 e um lápis de mina dura, a representação das formas do rosto nascem da observação contínua, ou seja, observo-risco, observo-risco. Para que as proporções e a semelhança sejam correctas é preciso trabalhar muito com a construção do próprio desenho, que é, como toda a criação artística, um jogo de construções e destruições. Como sempre não utilizo borracha, daí os desenhos com muitas linhas.

Hoje recordo as palavras de um texto cristão extraídos de "São Gregório de Nazianzo.":

"Uma parte de mim já se foi, sou outro neste instante e outro serei se continuo a existir."

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Viagens








Viajamos. Viajamos todos. Viajamos percorrendo o mundo. Viajamos não saindo do nosso quintal. Viajamos ao pensar. Viajamos com os sonhos. Viajamos com os olhares. Viajamos com os desejos. Viajamos o tempo todo . Viajamos sempre. Viajamos.


Foram anos seguidos. De cá para lá. De lá para cá. Logo, muito cedo, o comboio (muitas vezes atrasado) fazia o percurso do costume, transportando as pessoas do costume. E, dessas viagens, ficaram as memórias e os registos. Fiz uma série de colagens simples com poucas cores que agora mostro. É um processo que necessita apenas de cola, uma tesoura e papéis de qualquer cor. Tudo me serve para exprimir as vivências nos contextos e nas situações mais díspares. Afinal, tanto tempo viajando deixou marcas sobre atitudes, posturas e emoções humanas que estes trabalhos procuram evidenciar. História da Minha Pintura.


Recordo hoje as palavras de Miguel Cervantes:

"Andar por terras distantes e conversar com diversas pessoas torna os homens ponderados."

domingo, 22 de novembro de 2009

Recordar









Todos os dias vivemos episódios. Uns porque são tão iguais e diários ficam para sempre esquecidos no nosso inconsciente.Outros, porque são singulares, marcam-nos positiva ou negativamente. E, de tempos a tempos, as nossas memórias transportam-nos para esses momentos. Uma frase, uma conversa, uma fotografia, um acaso recordam-nos episódios e factos que o tempo apagou. É esse jogo de recordações que devemos manter para nos situarmos até aos instantes finais, porque se vive no presente, pensando no futuro e nunca esquecendo o passado.


Estes desenhos esquecidos no tempo e descobertos pelo acaso transportam-me para um espaço onde as vivências foram as que foram e que nunca mais se repetirão, excepto nas lembranças. Como desenhador compulsivo tudo me serve para constar nos meus cadernos e, desta vez, vos mostro mais um pouco de mim. Todos os meios riscadores servem para o registo e construção de formas que tanto podem ser de linhas simples ou um emaranhado de traços. Histórias da Minha Pintura.


E trago hoje uma frase de William Shakespeare:

"Conservar algo que possa recordar-te seria admitir que eu pudesse esquecer-te."

E vos deixo com a música de Mozart na Sonata KV 333 in B flat Major - 1. Allegro.


sábado, 21 de novembro de 2009

Pensar



Precisamos de pensar. Pensar sempre. E pensar muito não significa, quantas vezes, pensar bem. E pensar pouco ainda é pior. É preciso saber pensar. Pensar nas questões e equacionar os diversos caminhos, tal como faz um jogador de xadrez. Pensar com o objectivo de pensar bem, logo pensando em todos os cenários possíveis. Pensar, para pensar bem, é o caminho certo. O único caminho.

Esta tela retrata aqueles momentos em que pensamos. Pensamos em nós e no mundo. Pensamos ora levianamente, ora com sentido crítico. E é num cenário junto ao mar que o contexto favorece ou não o pensamento. Com um cuidado maior nos pormenores formais e no recorte das figuras procurei, com cores suaves, transmitir tranquilidade e serenidade. História da Minha Pintura.

E vos hoje trago as palavras de Robert Musil:

“Tudo o que se pensa é afecto ou aversão.”

E vos deixo com a voz de Callas que, como sempre, me conduz a muitos pensamentos, aqui numa obra de Puccini : “Tosca”.


sexta-feira, 20 de novembro de 2009

As cartas de jogar



As cartas de jogar fazem as delícias de quem quer passar o tempo e de quem faz do jogo um modo de vida. Os primeiros sabem saborear o que de melhor tem o desprendimento fase ao azar e à sorte. Os segundos são os vencidos do jogo, mesmo que a emoção seja imensa e a fortuna uma roleta. Afinal, cada um escolhe o às de trunfo que quer jogar. Para o melhor e para o pior.

Nesta aguarela procurei captar a passagem do tempo através de um jogo de cartas . A pincelada muito imediata, um cromatismo ténue e uma pretensa simetria formam este conjunto. História da Minha Pintura.


Hoje recordo as palavras de Tito Lívio, in “História de Roma”:

“Quanto maior for a sorte, menos se deve acreditar nela.”

E vos deixo com Maria João Pires tocando Mozart.



quinta-feira, 19 de novembro de 2009

O jogo




O jogo é uma luta em busca do triunfo .Os jogos exigem sabedoria, valentia, sorte, dotes físicos e outros requerem, até, ousadia ou inconsciência. Em qualquer dos casos jogar é sempre aliciante e, por ser tão aliciante, há jogos que se tornam perigosos. Perigosos pelas características em si ou, porque são viciantes e encerram o que há de pior, no entanto, jogar ou ver jogar é um prazer quando nos identificamos com o palco da acção. E a vida é um jogo. O maior deles.

Esta tela retrata um jogo, hoje esquecido pelas modernidades e pelos apelos a outros modos de apostar e ter emoções fortes. O processo construtivo desta pintura teve inicialmente um desenho muito geométrico para equilibrar os diferentes elementos formais e as cores são as do costume: cinzas e azuis salpicados de verdes. Cores frias como gosto. História da Minha Pintura.

E vos deixo com um texto hebraico:

"Quem abandona a luta não poderá nunca saborear o gosto de uma vitória."


E vos deixo com a voz, da recém falecida, Mercedes Sosa uma lutadora no jogo da vida.



quarta-feira, 18 de novembro de 2009

A velhice




A velhice é a última etapa da vida; é o culminar de um percurso; é o aproximar do fim da própria vida; é esperar pelo dia final; é recordar o passado; é o presente sem futuro. E, porque a vida é composta por fases distintas, é das memórias que preenchemos o vazio da solidão e das fraquezas da debilidade física, tão presente nas vivências da terceira idade. E assim é, queiramos ou não, os dias finais de todos nós, porque a vida acaba um dia, mais cedo para uns, mais tarde para outros.

Esta tela do tríptico "A Vida" retrata a fase final: envelhecimento e o destino final do corpo que habita em nós. Aqui tentei transmitir a vida a dois e o recordar os mortos. As cores saturadas procuram sugerir um ambiente onde as festividades e os prazeres maiores não fazem já parte do passado. História da Minha Pintura.



Recordo hoje as palavras de François La Rochefoucauld, in "Máximas":

"Poucas pessoas sabem envelhecer."

E ao deixar-vos hoje, não deixem de ouvir, de novo, a música de Joshua Bell tocando com o seu violino "Ave Maria".




terça-feira, 17 de novembro de 2009

Adultos




Na vida, nas nossas vidas, vivemos bons e maus momentos. Momentos de solidão e de comunhão. Comunhão de afectos e de entrega. E são essas vivências das descobertas do prazer físico que nos identficam com a idade adulta. É a independência dos actos; é a liberdade do estar; é a vida sentida como nossa. E porque temos de responder por nós, momentos há de profundo desencanto e de imensa alegria. É este jogo de ter e não ter que vivemos, todos os dias, com o dever da responsabilidade assumida ou não, até aos dias finais. É assim. É o preço a pagar porque queremos ser independentes.


Esta tela, do tríptico "AVida" é um visão pictórica de um espaço interior e exterior onde se disfruta do olhar sobre a privacidade e da importância ou não dos bens materiais no contexto das vidas de cada um. Para harmonizar as três telas procurei criar uma cor e uma luz numa conjugação formal que fosse sugestiva da temática em causa. História da Minha Pintura.


Hoje trago as palavras de Henri Amiel, in "Diário Íntimo":

"Aparece, desaparece: é toda a história de um homem, tal como a do mundo ou a de um micróbio."

E vos deixo com a voz de Marlene Dietrich que fez as delícias dos soldados na 2ª Guerra Mundial.



segunda-feira, 16 de novembro de 2009

A infância



Há momentos mágicos. Momentos únicos. Momentos de amor profundo. Momentos belos como nenhum outro. Momentos que valem o melhor dos mundos. Momentos que não trocamos por nada. Momentos de amor verdadeiro, e, esses momentos existem quando nasce uma criança - a nossa criança. Quando nasce a nossa criança é sempre um momento mágico. É, deve ser, um momento de amor, de felicidade, de realização, de paz, porque é a nossa criança. Porque é um pouco de nós. Porque é o nosso futuro. Porque somos nós projectados infinitamente no espaço e no tempo. Porque é mágico amar uma criança: a nossa criança, porque é nossa. Nossa. Eternamente nossa.

Esta tela, que faz parte do tríptico " A Vida", procura retratar um dos muitos momentos mágicos da nossa vida. Com o ambiente caracterizador do desenvolvimento tecnológico e cultural, procurei, situar no espaço e no tempo, comportamentos e atitudes familiares onde impera o amor e a felicidade. Cores e contextos formais assinalam o espírito da mensagem pictórica. História da minha Pintura.

Hoje recordei-me das palavras de Camilo Castelo Branco:

"A infância é a estação das crenças, dos temores e das superstições."


E vos deixo com a mestria de Joshua Bell em "Estrellita."


domingo, 15 de novembro de 2009

A vida



Nascemos, vamos mudando e morremos. Entre o início e o fim acontecem episódios, histórias, recordações, e muitas mudanças. E o ciclo da vida repete-se de geração em geração, através do tempo. E continuamos sabendo ou não, tirar partido do viver. Uns constroem novos mundos. Outros destroem o que duramente tantos edificaram. E assim continuamos com glória e desgraça, sabendo todos que o futuro é sempre um fechar de olhos definitivo, quer sejamos crentes, ou não, desta ou daquela maneira de olhar o nosso destino. É a vida. De todos nós.


Esta pintura, de grande formato, é um tríptico que, procura, talvez, excessivamente, num discurso narrativo ilustrar a nossa vida desde o berço à sepultura. Não serei eu a pessoa indicada para dissecar esta minha pintura que, como todas as outras, é o meu olhar sobre o significado e a importância de cada um neste mundo, onde uns vivem e, outros, sobrevivem. Tecnicamente, procurei criar três momentos diferentes não mudando as cores em cada painel para obter uma leitura mais homogénea. Interior e exterior representados em simultâneo com luzes, sombras e cores muito fortes procuram também sugerir espaços profundos. História da Minha Pintura.


Recordo hoje as palavras de Michel Montaigne:

"A nossa grande e gloriosa obra-prima é viver a propósito."


E vos deixo com a música de Beethoven: "Sonata ao Luar", aqui interpretado por Vladimir Horowitz no 3º movimento.



sábado, 14 de novembro de 2009

As nossas coisas




As nossas coisas valem muito e nada valem. Valem pelo significado. Pelas memórias. Pela importância que cada um lhes dá. E nada valem em contextos diferentes. Nada dizem a tantos outros e, no entanto, são, quantas vezes, os nossos tesouros, aqueles que verdadeiramente nos agarram e nos dão momentos de alegria e de felicidade. As nossas coisas.

Esta tela de longa data, do período “boteriano”, procura ser um retrato de uma das muitas casas que enchemos com as nossas coisas que, valem o que valem. Cores fortes e complementares num desenho excessivo nas formas, fazem parte deste meu testemunho intimista. História da Minha Pintura.

E vos deixo com a poesia de António José Queirós:

Saudade

“ Há um mistério escondido no teu nome,
nesse nome fecundo e magoado
que convoca a incurável lembrança
gangrenada pela ausência de quem parte.

Numa íntima e infinita melancolia,
que às vezes se prolonga até às lágrimas,
a noite amanhece sofrida e impaciente
À espera que o tempo se cumpra na memória.

Da ruína que fica resta o silêncio,
A liturgia torturada e muda do remorso.”

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Casas vazias



Andamos de um lado para o outro em busca de uma vida melhor. E ao mudar os trapos e as loiças levamos um pouco de nós e mudamos também. Novos hábitos, novas rotinas, novas situações exigem posturas e desafios diferentes. E eternamente andamos de um lado para o outro. Umas vezes acertamos, outras, nem por isso. É o preço da aventura que pagamos com as mudanças de cá para lá, e de lá para cá. É assim. É assim mesmo.


Esta pintura em tela é um espaço que está vazio, talvez pelas mudanças que nos levam para todo o lado, e, para lado nenhum. Aqui, nesta série, utilizava a perspectiva bem marcada e, também, como sempre, procurei construir um espaço onde a cor fosse um espelho do ambiente. História da Minha Pintura.


Hoje recordo um excerto do poema "Casa Abandonada" de Francisco Bugalho, in "Margens":

" Minha saudade não larga
Certa casa abandonada.
E sinto, na boca, amarga,
Essa lágrima chorada
Quando a deixei..."

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Conversas silenciosas



É mesmo assim. Não é preciso falar muito. Longos silêncios dizem tudo. É como vivemos, tantas vezes. Conversamos sem dizer nada. Dizemos tanto, nada dizendo.

Esta tela procurou ser o retrato dos diálogos silenciosos que tanto dizem, nada dizendo ou, dizendo tudo, sem nada dizerem. Nesta tela procurei captar um espaço interior onde cada forma, cada objecto, fosse importante no minimalismo da composição. História da Minha Pintura.

E trago hoje as palavras de Paul Claudel:

"As grandes verdades só se comunicam através do silêncio."

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Retratar



Olhamos e julgamos, os outros, continuamente. Fazemos juízos sobre quem nos cerca. Conhecidos ou não. E julgamos muito pela aparência. Pelo olhar. Pelo rosto. E criticamos bem e mal. Uns pela pose, pelo trajar, pelo contexto merecem uma apreciação. Outros, porque estão longe dos nossos interesses, são quase invisíveis, mesmo ali ao pé de nós. E é assim que elogiamos ou destronamos os outros, segundo os retratos que fazemos, olhando. E olhamos todos os dias...

Esta pintura em tela é mais um dos meus retratos que, como todos os outros, buscam a semelhança com o modelo e a sua análise psicológica. O olhar escondido é uma forma que mais procuro quando faço o retrato de alguém. É, nos olhares "perdidos" que está muito de nós e que eu procuro sempre. História da Minha Pintura.

Recordo hoje as palavras de Oscar Wilde:

"Um retrato pintado com a alma é um retrato, não do modelo mas do artista."

terça-feira, 10 de novembro de 2009

O silêncio



Casas cheias e silêncios profundos são espaços onde mora a inquietação e a angústia. São as nossas casas. Cheias de tudo. Cheias de bens materiais e tão parcas em afectos. Algumas delas até são palácios. Palácios vazios. Vazios de gente. De gente com alma. De gente com vontade de viver alegremente. De viver com a alegria dos prazeres mundanos e o aconchego dos laços. Mas, mas hoje as casas cheias são bem diferentes. Diferentes. Diferentes em tudo. É o nosso tempo. É a nossa sina.


Esta pintura em tela é o retrato de um espaço cheio mas, onde falta gente, neste mundo de tanta solidão. É mais um recanto onde a luz invade a intimidade de uma casa. Aqui cores e formas procuram acentuar o espaço. História da Minha Pintura.


E vos deixo, hoje, com as palavras de Camilo Castelo Branco:

"O silêncio é uma confissão."

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

A rua



Há ruas e ruas. Umas são encantadoras e têm tudo: casas, lojas, gente e muita animação. Outras, pelo contrário, são o oposto: sem gente, nem encanto. Assim é a nossa paisagem urbanística: com vida citadina ou sem ela. As ruas, como sabemos, têm mais encanto quando estão vivas. E vivas significa gente, movimento, luz, e, quanto tudo isto acontece, têm, naturalmente, mais encanto. Infelizmente as nossas ruas vão perdendo vida por mais belas que sejam. São os novos tempos. Os novos tempos.

Esta pintura sobre tela retrata uma rua que, como todas as ruas das nossas cidades, têm nas lojas pólos de encanto. Para fazer este trabalho houve um cuidado na construção da estrutura intrínseca da composição e, uma escolha das cores, acentuando os vários planos para sugerir profundidade. História da Minha Pintura.

Recordo hoje, um excerto, do poema "Gato que brincas na rua" de Fernando Pessoa:

"Gato que brincas na rua
Como se fosse na cama,
Invejo a sorte que é tua,
Porque nem sorte se chama..."


E vos deixo com a música de Stravinsky que ilustra, para mim, a musicalidade do bulício da rua.



domingo, 8 de novembro de 2009

Viajar e descobrir



Viajar é percorrer espaços, conhecidos ou não, que nos transportam para outros locais. E, ao chegar, descobrimos novas vistas ou apenas olhamos, mais uma vez, sem nada ver. Se olhamos com olhos de ver, descobrimos as diferenças entre nós e os outros; entre a nossa paisagem de todos os dias e a que os nossos olhos descobrem contemplando a beleza ou a falta dela. É sempre assim. Viajamos e comparamos. Viajamos e vamos ficando diferentes. Viajamos e vamos conhecendo o mundo e descobrindo que afinal nada somos , nem nada sabemos, mesmo acreditando que somos tudo e sabemos tudo. Viajemos pois.


Esta tela é, mais uma vez, uma pequena viagem onde a contemplação do espaço e das suas gentes nos marcam e nos definem como pessoas. Como pintor procurei, dentro do meu modo de ser e olhar o mundo, captar a ambiência e a maneira de viver e sentir. Utilizei as cores da minha usual paleta, com a luz e a atmosfera que me é peculiar e num intricado jogo de linhas e construções geométricas, defini este espaço onde o silêncio nada diz, dizendo tudo. História da Minha Pintura.


Hoje trago as palavras de Maeterlinck:

"A palavra é tempo, o silêncio é eternidade."


E vos deixo com a música de Grieg e aqui com Arthur Rubinstein e "Piano Concerto 1 st mov (1)".



sábado, 7 de novembro de 2009

Vergonha




Há os que têm vergonha. Vergonha dos actos; do passado; de si; do corpo; vergonha de não saber; de não ser capaz; da exposição de si próprio; de tudo e de nada. Vergonha. Simplesmente vergonha. E há os outros: os que gostam de se expor a este mundo e ao outro. Expõem a si e aos seus. Expõem-se sabendo que não têm vergonha de mentir, de roubar, de criminalizar, disto e daquilo. E é assim que vivemos. Uns cientes de valores éticos. Outros querendo tudo, logo sem valores nenhuns. É a nossa gente. Com e sem vergonha.


Esta aguarela é um dos muitos retratos que me encantam (modéstia à parte) porque trazem em si o que há de mais belo e puro na postura de quem tem ainda princípios e valores. É a timidez que aqui tem a expressão mais ampla. Este retrato só foi feito depois de obter o papel ideal para aguarela e conseguir tirar partido da mistura das cores e das transparências, só possíveis nas pinceladas únicas da aguarela. Histórias da Minha Pintura.


Hoje trago as palavras de Vergílio Ferreira em "Conta-Corrente 5":

"Ser tímido é dar importância aos outros. Ser desinibido é dá-la a si próprio. Mas normalmente o tímido tem-na. O desinibido não."

E vos deixo com a música de quem fez da timidez um modo de estar na vida: Schumann, aqui, com a mestria, ao piano, de Argerich .

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

O nosso espaço




O espaço, o nosso espaço, é o nosso território. E, como sempre, é nele que nos sentimos seguros, ou seja, reis deste mundo e do outro; senhores de tudo; senhores na aparência e no fingimento, mas sempre senhores. Somos assim, reconhecendo ou não a verdade. E é no nosso ambiente, peculiar, que construimos o melhor e o pior. Bem ou mal por cá andamos. Ora reconhecidos, ora ignorados e, quase todos, infelizmente, seres infinitamente transparentes, mesmo no nosso espaço.


O ateliê é o espaço do pintor: tem luz, muita tralha e sempre caótico. É assim quando se trabalha com tintas e pincéis. Com silêncio ou sem ele. Esta tela retrata um espaço desses mas, arrumado, o que significa que o pintor não pinta. Linhas e cores cinzas definem este ambiente geometrizado e profundamente orientado pela cultura renascentista, onde a simetria disfarçada é uma das características. Histórias da Minha Pintura.


Hoje trago as palvras de Eurípides, in "Fragmento":

"Fala se tens palavras mais fortes do que o silêncio, ou então guarda silêncio."

E vos deixo com a música de Rossini :"La Gazza Ladra", aqui sob orientação de Claúdio Abbado em 1991, em Viena de Aústria.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

A cama




Todos os dias nos deitamos em lençóis de lã, de flanela, de seda ou ao relento. Dormimos nos mais belos aposentos ou à chuva, ou ao vento, ou não dormimos. E assim vivemos dormindo bem uns dias e mal outros. Bem ou mal nos deitamos e saboreamos o descanço e com ele os sonhos, as fantasias e as angústias. E é, mais ou menos deitados, que as noites nos consomem e transportam para mundos e fundos. Todos os dias.

Esta pintura, em tela, é o retrato de um espaço que tem os mimos próprios de uma cultura, de um desenvolvimento social que identifica o nosso modo de estar e viver. Procurei criar um ambiente onde as cores fossem a expressão de um espaço íntimo e pacato com objectos condutores de leituras díspares. Histórias da Minha Pintura.


Hoje recordo Eugénio de Andrade:

"Todas as casas onde há livros e quadros e discos são bonitos. E são feias todas as casas, por mais luxuosas, onde faltem essas coisas."


E vos deixo, mais uma vez, porque adoro, com a música de Bach:"Air aus der Suite Nr. 3 e a mestria ao violino da Anne-Sophie Mutter.



quarta-feira, 4 de novembro de 2009

A praça




Cada cidade, cada lugarejo tem a sua praça, o seu coração. O local de encontro comunitário é, por excelência, onde se vai e se sente o sentir das suas gentes, a sua História, o seu viver. A soma das histórias vividas, dos episódios, das recordações criam, nos espaços comuns, hábitos de estar e viver publicamente. Com mais ou menos intriga. Com mais ou menos gente. E assim é a vida das nossas praças. Das nossas gentes.


Esta pintura retrata um espaço que, como todos os espaços abertos, tem características próprias, com o ambiente definidor das posturas e da arquitectura. Este trabalho começou por ser desenhado com a utilização da perspectiva com dois pontos de fuga, e, só depois, apliquei as tintas numa malha traçada a régua e esquadro. As cores através das suas diferentes tonalidades procuram, também, sugerir a profundidade. História da Minha Pintura.


Recordo hoje um excerto do poema "A Praça" de Álvaro de Campos ( heterónimo de Fernando Pessoa):

"...Há tanta coisa mais interessante
Que aquele lugar lógico e plebeu,
Mas amo aquilo, mesmo aqui...Sei eu
Por que o amo? Não importa. Adiante..."



E vos deixo com a música de Glen Miller e "Moonlight Serenade".


terça-feira, 3 de novembro de 2009

Intimidade




Há as normas. Há os usos e costumes. Há a crítica social. Há a inveja. Há a ignorância. Há tudo para cumprir e obedecer. E há o nosso espaço. O espaço em que vivemos longe das opiniões e observações dos outros. Longe e tão perto de tudo e de todos. E é aqui que viajamos, entre quatro paredes, na nossa intimidade. Usamos ou não este traje; temos ou não esta postura; dizemos ou não estas palavras; fazemos isto e não aquilo; somos ou não somos isto e aquilo. E assim vivemos com mais ou menos intimidade. Entre quatro paredes.


Esta pintura em tela retrata um espaço que, como todos os espaços, cheios ou vazios, é um local onde expomos a nossa intimidade que é, sempre, a expressão do nosso modo de ser, com mais ou menos beleza, com mais ou menos verdade. Aqui, utilizei a perspectiva com um ponto de fuga e, procurei conjugar cores que não fazem parte dominante da minha paleta, mas que tento usar para fugir à dependência dos azuis que, de facto, predominam nas minhas obras. História da Minha Pintura.


Hoje recordo as palavras de Alain:


"Ninguém no mundo tem poder sobre o seu juízo interior; embora possam obrigar-nos a dizer em pleno dia que é noite, não há força capaz de nos coagir a pensá-lo."

E vos deixo com "Clopin-Clopant", aqui com a voz de Josephine Baker que chocou o mundo da época com posturas e modos de estar que estão hoje "normalizados".


segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Exotismo




O desconhecido; o desejo de procurar novos mundos; novos modos de ser e estar; novas culturas levam-nos a partir, a procurar aventuras; a procurar o que julgamos precisar; a procurar, simplesmente, sabe-se lá o quê. E por tanto procurar encontramos outras gentes que, pela diferença, nos atraem. É o ambiente, é a cor, é o cheiro, é a postura, é a forma de viver, é quase tudo que nos apaixona ou nos afasta. E, porque o nosso mundo é tão diferente e tão próximo, vivemos nesta luta de buscas por causas, ora em sintonia, ora combatendo-as. E assim vivemos com mais ou menos exotismo. Com mais ou menos diferenças. Insatisfeitos sempre. E sempre em busca de mais exotismo.



Esta aguarela é uma miragem sobre a fantasia do olhar o mundo e captar apenas o que há de belo e exótico. Tecnicamente procurei, a partir do desenho, criar um ambiente que, aliado a cores saturadas e na gama dos tons ocres, exprimissem o exotismo. Mais uma vez, utilizei a aguarela para obter transparências. História da Minha Pintura.


Recordo hoje, de novo, as palavras de Camilo Castelo Branco:

"A civilização é a razão da igualdade."


E vos deixo com a "Marcha turca" de Mozart.



domingo, 1 de novembro de 2009

Árvore das patacas




É o desejo de todos: viver bem. E viver bem significa ter saúde, paz e amor. E tudo isto à sombra da árvore das patacas. É a fantasia do nosso viver: tudo belo e floreado até ao juízo final. E, com muito ou pouco juízo, por cá andamos, felizes ou tristes, em busca da árvore das patacas que nos conduza à abundância dos bens materiais que, dos outros, não há árvore milagrosa que nos satisfaça.

Esta aguarela é um dos muitos momentos vivenciais que gosto de registar no meu trabalho pictórico. As cores, a minúcia dos pormenores e o enquadramento procuram formar, nesta obra, uma imagem que corresponda ao típico ambiente do desejo e da fantasia. História da Minha Pintura.

Recordo hoje as palavras de Oscar Wilde:

“Há duas tragédias na vida: uma a de não satisfazermos os nossos desejos, a outra a de os satisfazermos.”

E vos deixo com a música de Tchaikovsky que tem tudo de suave, romântico e belo, tão distante das novas sonoridades.