segunda-feira, 25 de julho de 2011

Perdidos e achados




Perder e encontrar é sempre bom. Há uma sensação quase de alívio e de bem-estar. Também há quem encontre sem ter perdido nada. Encontrar o que não lhe pertence tem outro sabor: desinteresse, gula ou pena. Do que não gostamos pouco queremos saber; ter mais é um mal dos gananciosos, sobretudo se apenas se pretende ter, e, ter mais, mesmo que seja indevidamente; quando entramos no calvário dos outros sentimos dó e acompanhamos a dor da perda. Há de tudo, para todos os gostos, neste mundo de perdidos e achados. Tudo mesmo.


Perder ou encontrar qualquer coisa é tão normal. Sempre fui um desencontrado com tudo. Nunca sei onde deixo os mais banais objectos. Penso (erradamente) que só me devo preocupar com valores maiores. É um puro engano. Perde-se concentração e sentido de orientação. Eu sou assim. E, talvez, por isso gosto de pintar temáticas onde a incerteza está presente. A minha pintura é o melhor retrato deste modo de registar as fraquezas, em que “perdidos e achados” são a expressão maior deste meu modo de ver e sentir o que me cerca.


Esta tela marca mais uma etapa desta série pictórica que está a chegar ao fim. A representação feminina no espaço fechado irá dar lugar ao exterior onde a verdura campestre e o azul dos céus ocuparão um lugar de destaque fugindo, assim, deste hermético casulo que tem sido a característica dominante dos meus últimos trabalhos.

Esta tela (81X100cm) é um confronto de cores e luzes numa perspectiva psicológica do estar e do ser num contexto, aqui num retrato: “Mara.” História da Minha Pintura.


Recordo hoje as palavras de Clarice Lispector:


“Perder-se significa ir achando e nem saber o que fazer do que se for achando.”

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Retratos







Quando nos olhamos procuramos sempre ver o lado bom de nós próprios. Os outros, por amizade, cortesia, inveja, ou cinismo encontram uma outra dimensão daquilo que somos, ou parecemos ser. Ninguém reúne o consenso quer do positivismo, quer da maledicência. Há sempre alguém que encontra algo para contrariar e qualificar. Somos pois uma mistura de conceitos, de valores, de expressões. Para uns é valorizado o lado estético; para outros a dimensão humana, o carisma, a inteligência, isto e aquilo, ou, bem vistas as coisas todos temos, ou não, um pouco de tudo. Para o bem ou para a desgraça.

Na História da Arte muitos foram os auto-retratos deixados pelos artistas. As imagens aí estão: umas em pedra, outras em tela, outras em vídeo, outras em fotografia e outras, até, criadas pelo imaginário colectivo. É fácil reconhecer, em muitos casos, quem foram os autores das obras e, nem imaginamos como eram fisicamente os seus criadores. Quem conhece um pouco de pintura reconhece as obras de Matisse, de Bonnard ou de Modigliani, no entanto, pode desconhecer, em absoluto, a fisionomia de cada um deles. Hoje, graças sobretudo à fotografia e às suas características técnicas, uma imagem traduz com fidelidade a realidade, embora, ela, agora, mais que nunca, possa ser transfigurada. E curioso é que não associamos, muitas vezes, as obras à fisionomia e até ao sexo. A obra de arte é assim um produto que transporta consigo muitas interrogações entre o acto de fazer, os seus artistas e a sua natureza. História da Minha Pintura.


E vos deixo com as palavras de Florbela Espanca:


“ Um retrato é apenas a ideia aproximada de uma pessoa. A graça de um sorriso, o olhar, a expressão e tudo quanto para mim é a beleza, não pode verdadeiramente existir num retrato.”

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Ler e escrever







Nunca como hoje se leu e escreveu tanto. A internet a isso obriga, mesmo que muitos escrevam simplificando as expressões e criando um vocabulário pouco ortodoxo. Coisas do nosso tempo. Do tempo das novas tecnologias. Os livros, esses, ficam infelizmente na estante. Outros usos e costumes os de hoje. E não vale a pena lutar contra moinhos de vento. É uma perda imensa não conhecer os grandes clássicos que tantas obras-primas criaram na arte da palavra escrita. Mas tudo muda. Até a leitura. Até a escrita.


Estas duas telas ilustram momentos em que a escrita e a leitura são parte do nosso viver. Os suportes, processos e meios podem mudar e estarão sempre a mudar, no entanto, todas as gerações precisam de saber ler e escrever, mesmo que um dia a tecnologia substitua tudo pela tradução oral. E a arte narra um tempo e um estar, como penso que acontece aqui nestes trabalhos pictóricos. Cores e formas substituindo a escrita descrevem um outro modo de ler a realidade. A pintura é isso mesmo. Um outro olhar. Uma outra leitura. Uma outra escrita. História da Minha Pintura.

E vos deixo com as palavras de Jorge Luis Borges:

“ Chega-se a ser grande por aquilo que se lê e não por aquilo que se escreve.”


segunda-feira, 4 de julho de 2011

Dezassete dias



Tanta pressa; tanto desejo de chegar primeiro; tanta ansiedade; tanta procura; tanta fuga em frente; tanto disto e daquilo é o retrato dos dias de hoje. Ninguém tem tempo a perder. Anda tudo numa correria. Daqui para ali e, deste lugar, para um outro qualquer. Todos os dias. Com toda a gente. Em todo o lado. Que vida é esta? Que podemos esperar disto tudo?

Ao fim de dezassete dias esta pintura ficou concluída. Foi uma luta contra o tempo e em busca - como acontece com muita boa gente - do maravilhoso e do fantástico. A arte tem sempre destas coisas: cria um imaginário e um alcance surreal do valor da obra. Depois é o costume: tudo corre bem ou, como acontece muito, é como se nada tivesse existido. Quantas obras feitas com o maior profissionalismo, a maior entrega, paixão desmedida na sua feitura e, no entanto, tudo no maior dos desconhecimentos? Quantas? Silêncio absoluto em torno de uma epopeia artística é, afinal, igual ao que tantos fazem, todos os dias, por um pedaço de pão. A arte e a vida são a mesma coisa. Sempre foram. Ou não fosse tudo produto dos Homens. Hoje e sempre. História da Minha Pintura.

E vos deixo com as palavras extraídas de textos judaicos:

“Todos os dias a nossa vida recomeça de novo.”