segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Mercado de arte




A arte é, provavelmente, uma experiência inútil; como a «paixão inútil» em que cristaliza o homem. Mas inútil apenas como tragédia de que a humanidade beneficie; porque a arte é a menos trágica das ocupações, porque isso não envolve uma moral objectiva. Mas se todos os artistas da terra parassem durante umas horas, deixassem de produzir uma ideia, um quadro, uma nota de música, fazia-se um deserto extraordinário. Acreditem que os teares paravam, também, e as fábricas; as gares ficavam estranhamente vazias, as mulheres emudeciam. A arte é, no entanto, uma coisa explosiva. Houve, e há decerto em qualquer lugar da terra, pessoas que se dedicam à experiência inútil que é a arte, pessoas como Virgílio, por exemplo, e que sabem que o seu silêncio pode ser mortal. Se os poetas se calassem subitamente e só ficasse no ar o ruído dos motores, porque até o vento se calava no fundo dos vales, penso que até as guerras se iam extinguindo, sem derrota e sem vitória, com a mansidão das coisas estéreis. O laço da ficção, que gera a expectativa, é mais forte do que todas as realidades acumuláveis. Se ele se quebra, o equilíbrio entre os seres sofre grave prejuízo.

Agustina Bessa-Luís, in 'Dicionário Imperfeito'

A arte tem o seu mercado que varia com as épocas. De um início, apenas restrito a poucos, se passou para um mundo global, onde muitos podem ter acesso aos trabalhos, não feitos por encomenda, mas esperando potenciais compradores. Agora há outros meios de divulgação e de acesso aos produtos artísticos. Galerias e Feiras de Arte aproximam os interessados das obras de arte. Graças às novas tecnologias actualmente se promove e se mostra - virtualmente - peças que, por todo o mundo, os artistas fazem, como é este o caso, desta Feira, desta obra, deste trabalho e de mais este e este e este.

Este conjunto de aguarelas que fui fazendo, em períodos próximos mas com objectivos diferentes, acabam por mostrar a imensidão das obras produzidas e que têm como destino final o mercado da arte. História da Minha Pintura.

E vos deixo com a voz deliciosa do tenor peruano Juan Diego Flórez cantando Granada.


segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Todos iguais e todos diferentes



Somos todos iguais na anatomia e diferentes na sensibilidade. E porque somos tão distintos uns dos outros, eternamente nos guerreamos em busca da “nossa razão”, que é a melhor, mesmo podendo ser a pior. É assim hoje - aqui e agora - como ontem e desde sempre. Iguais na espécie humana sendo ora gordos e magros, ora altos e baixos, ora escuros e claros, ora tão desiguais nas parecenças e paradoxalmente tão semelhantes. Diferentes religiões e diferentes culturas separam-nos. Tão iguais enquanto seres humanos e tão diferentes nos comportamentos e necessidades. Todos iguais e todos diferentes. Eternamente diferentes. Eternamente iguais.

Esta pintura, de 2010, é um retrato que procura caracterizar um relacionamento que, ainda hoje, é foco de muitas leituras e de juízos críticos díspares. A análise de um tempo e de um modo de vida dependem das variáveis sociais, que nos conduzem pelos caminhos da serenidade e do pensamento evolutivo, no entanto, como acontece sempre, há as forças da estagnação e do pensamento retrógrado.

Esta tela, onde, em termos cromáticos dominam os tons cinzas, é constituída por elementos mínimos para centralizar a questão temática. A pincelada procura ser contida num jogo de luzes e sombras que buscam expressividade. História da Minha Pintura.

Recordo hoje as palavras de George OrweII:

“Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros.”

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Dormitando



Momentos há que estamos entre dois mundos: o real e o imaginário. É preciso, obviamente, ter presente a verdade da vida e, também, caminhar pelo sonho que é absolutamente necessário, para ultrapassar a mediania dos usos, costumes e do viver rotineiro, acalentando outras experiências e outros desejos tão longínquos de nós. É, neste andar, pela verdade material e pela irrealidade que vamos edificando os muitos modos de estar e sentir, quer os dias sejam coloridos ou profundamente cinzentos. É sempre assim.

Esta tela, de 2010, pretende retratar aqueles momentos onde o cansaço convida ao esquecer da realidade e o dormir está tão perto, apesar do local não ser o mais indicado, nem a posição corporal a mais correcta. Quero, com esta temática, representar instantes íntimos, comungados num jogo de penumbras, onde a luz rarefeita cria contrastes, sugerindo atmosferas de solidão e silêncio. História da Minha Pintura.

Relembro hoje as palavras de Giacomo Leopardi, inZibaldone”:

“A imaginação é a primeira fonte da felicidade humana.”

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Atitudes e valores



Aqui é assim. Parecem tão naturais os nossos modos de ser e estar. Mas basta percorrer uma curta distância para ver, com olhos de ver, outra realidade tão longínqua do nosso comportamento social. Aqui e agora é mesmo assim: liberdade na acção de estar com os outros, com poses que são a expressão das conquistas que outros conseguiram. É o nosso viver hoje. É bom lembrar que nada é dado, bem pelo contrário, tudo é conquistado e, como acontece muito - com suor, lágrimas e inevitavelmente sangue jorrado. É bom não esquecer porque aqui é assim. É bom não esquecer.

Esta pintura, em tela, é o retrato de um relacionamento casual, que é normal no nosso convívio diário. Aqui é assim. E porque é assim, há que saber valorizar o que temos, e, não nos deixarmos levar pela conversa fiada que apenas traz ostracismo e penúria. Como ocidental defensor da nossa cultura e do nosso relacionamento com os outros, procuro, no meu trabalho, ilustrar o que vejo, como vejo e, o que desejo enaltecer. História da Minha Pintura.

Recordo hoje as palavras de François La Rochefoucauld, in “Máximas”:

“Há uma infinidade de comportamentos que parecem ridículos e cujas razões são muito sábias e muito sólidas.”

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Diálogos silenciosos



Fala-se muito sem nada dizer. Não falar é, quantas vezes, mais abrangente que longos discursos. Muito se diz no maior dos silêncios. Tudo é uma questão de oportunidade e sentido do valor das palavras ausentes. Momentos há que sentimos tanto o vazio, quer dos sons, quer das conversas inexistentes. Sentimos ainda mais quando o silêncio se prolonga no tempo e, este, se transforma em infinidade. É esta a marcha dos percursos de vida, que giram e giram, tendo por base os diálogos, ora muito vibrantes e sonoros, ora inexistentes e, por isso, eternamente silenciosos... mas comunicantes.

Esta pintura em tela, 100x100 cm, procura retratar os momentos onde paira o silêncio e a comunicação se faz tendo por base o olhar e a frieza das poses. Observar é, também, dialogar silenciosamente – e muitas vezes acontece – que o diálogo é a uma só voz, com o próprio, numa mistura de pensamentos contínuos e diálogos sem receptor.

Esta composição, quase simétrica, procura, com um jogo cromático e formal muito contido, a captação de uma imagem forte, que seja apelativa, neste universo onde a memorização do que se observa é difícil, face à imensidão do observado. História da Minha Pintura.

Recordo hoje as palavras de Sófocles, in Antígona”:

“Há algo de ameaçador num silêncio muito prolongado.”