sexta-feira, 31 de julho de 2009

O outro lado





Há sempre o outro lado. Somos todos diferentes. Fisicamente e mentalmente. É o eterno dilema do conflito de gerações. Se não são as gerações é a natureza humana. São os valores ou a falta deles. Há sempre um outro modo de ver e analisar a mesma questão de pontos de vista diferentes. Há sempre o outro lado. O outro lado significa tudo aquilo que nos aproxima e nos afasta. O outro lado é a razão suprema dos interesses, dos desejos, da determinação, da certeza ou da ignorância, da razão ou da falta dela de acordo com os princípios vigentes. O outro lado somos nós. Somos sempre nós. O outro lado.

A obra que hoje vos apresento é uma aguarela que utilizei no livro “Poetas Visitados”para ilustrar a poesia de Casimiro de Brito. E é com este poeta que termino apresentando um excerto do poema “Poema Inédito” :


“ Enquanto canto, esta coisa pequenina
a que chamam vida, dói. É uma dor nos ossos
como se a terra que trago tremesse
leve – como se a mãe, que sempre me acolheu, me
expulsasse…”

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Não temos tempo





Não temos tempo. Não temos tempo para nada. O tempo, sempre o tempo, esgota-se e nada fazemos dos sonhos e dos desejos. E assim se vive sem tempo. Tempo para fazer dos sonhos realidade. E sonhamos eternamente com o tempo que não temos, e com o tempo que tivemos e que não soubemos tirar partido dele. Dele, do tempo. Enfim, coisas do tempo, ou de não saber o que é o tempo. E o tempo foi-se e com ele os sonhos. E a vida também.

Esta aguarela é uma homenagem às mães e aos filhos, e já agora, também, ao tempo que não temos.

E vos deixo hoje com a canção que mais gosto de ouvir, na voz de Kiri Te Kanawa: “ O Mio Babbino Caro”, de Puccini.



quarta-feira, 29 de julho de 2009

O tempo errado




Acontece a todos. Todos temos a sensação que muitas coisas que desejamos só acontecem, quando acontecem, fora do tempo e não no instante desejado. Queremos isto e aquilo. Obtemos isto e aquilo, depois. O depois significa, por vezes, muito tempo depois. Anos e anos. É o hiato, esse tempo perdido, que nos faz viver no tempo errado. É a vida.

Esta aguarela retrata um oásis que, alegoricamente, é o local mais desejado do deserto. Aqui utilizei, em termos formais, cor, linha e pontos. Muitos pontos. Pontinhos. Seurat é um dos artistas que criou o Pontilhismo movimento caracterizado pela utilização de pequenas manchas e pontos de cor que geram ilusão óptica e que eu admiro. E muito.

E vos deixo com as palavras do admirável Cesário Verde com um excerto do poema Ironias Do Desgosto:

“Onde é que te nasceu – dizia-me ela às vezes –
O horror calado e triste às coisas sepulcrais?
Porque é que não possuis a verve dos Franceses
E aspiras, em silêncio, os frascos dos meus sais?...”

terça-feira, 28 de julho de 2009

A linha




O meu trabalho artístico tem um elemento formal constante. Não é a mancha, não é a luz, não é o tema, não é a cor, não é isto, nem aquilo. É a linha. A linha é o princípio e o fim. Começa com linhas e acaba com linhas. Começa quando desenho, e desenho sempre. Começo por desenhar tudo o que vou pintar e termino assinando o meu nome na parte da frente da tela, e também na parte de trás.

A composição é dominada pelo desenho mesmo que seja a cor, o tema, o enquadramento ou outro qualquer elemento a chamar a atenção. O desenho é a alma do meu trabalho e a linha a sua alma gémea.

Este desenho mais não é que a conjugação de linhas, quase todas com a mesma expressividade e espessura, que acabam por definir uma imagem tão comum aos pintores: caixa com tintas, pincéis e tela no cavalete. O número, que surge no desenho, nasceu de um diálogo que tive com um conhecido e já falecido galerista. E mais não digo. Segredos da minha pintura…

Os poetas do meu país



Não sei falar deles.
Não sei que dizer de tantos.
Só sei que alguns vivem comigo.
Felizmente.


E vos deixo, hoje, com o meu amigo José Fanha que vive a poesia, a declamação e o gostar de estar com as palavras.



segunda-feira, 27 de julho de 2009

Poetas Visitados





Portugal tem poetas, poetas e poetas. E bons. E o destino tem destas coisas: tive a feliz sorte de participar num projecto com poetas. O livro “Poetas Visitados” é muito mais que um livro de poesia: é entrevista, é poesia, é pintura e é, também, uma obra de colecção. Foi tudo lindo e bonito. O livro, as pessoas, e os eventos ocorridos no lançamento no Porto e em Lisboa. Tudo foi tratado com profissionalismo pelo editor, da Caixotim, Paulo Samuel e pela jornalista e poetisa Maria Augusta Silva, a autora das entrevistas aos poetas do meu país.

Esta aguarela “ Labirinto” foi a que escolhi para a capa do livro Poetas Visitados, dado considerar que toda a poesia é um labiríntico modo de retratar a vida.
E vos deixo com as palavras de Maria Augusta Silva:

“A poesia é a minha própria pele. É a minha respiração mais profunda”.





Poesia de António Gedeão cantada por Adriano Correia de Oliveira com o belíssimo poema “Lágrima de Preta”.

domingo, 26 de julho de 2009

Há dias assim



Há dias assim. As palavras não surgem com a cadência e o significado que gostaria que tivessem. Há dias assim. Tudo está no sítio errado. Tudo parece mal. Tudo é nada e nada é tudo. Há dias assim. É a palavra, é este gesto e o outro, é esta atitude e aquela, é o não saber estar, é tanta coisa. Há dias assim. Faço tristes quem não merece. Complico o que é fácil. Não sei fazer nada. Nada me sai bem. Há dias assim.

Esta pintura enquadrada na temática dos retratos (adoro fazer retratos) tem a postura que considero mais própria para fazer da arte pictórica um mar de interrogações e considerações estéticas. Prefiro que os olhares dos retratados estejam direccionados para outros horizontes, como forma de criar dúvidas sobre o que se passa para lá do espaço pictórico. Histórias … da minha pintura.

E vos deixo com um excerto de um poema de Florbela Espanca, inA Mensageira das violetas”:

“ …Meus olhos hão de olhar teus olhos tristes;
Só eles te dirão que tu existes
Dentro de mim num riso d`alvorada!...”

sábado, 25 de julho de 2009

Os modos




Acontece. Um gesto. Uma palavra. Um silêncio. Actos simples que dizem tanto e significam ainda mais. Significam os nossos modos. Os melhores e os piores. Assim comunicamos. Ora bem, ora muito mal. Ora estamos em sintonia, ora aquilo que parecia ser, afinal não é. Somos assim. Capazes de maravilhar e de desiludir.

E vos deixo com um excerto do poema Atitude de Cecília Meireles, in Viagem:

"Minha esperança perdeu seu nome…
Fechei meu sonho, para chamá-la.
A tristeza transfigurou-me
Como o luar que entra numa sala..."

O feitiço



Acreditamos ou não, nisto e naquilo, se tivermos capacidade de fazer uma auto-análise das crenças ou da falta delas. Muitas dúvidas resultam somente do não saber; da ignorância; do fundamentalismo, e da nossa incapacidade de discernir. As dúvidas acabam quando a luz da razão explica cientificamente o mistério da dúvida, no entanto, porque o mundo tem tantas incertezas e nos julgamos diferentes e maiores que a simples matéria universal que nos caracteriza, continuamos, eternamente, a acreditar no feitiço.

Esta aguarela trata de um feitiço tão comum aos seres deste planeta.

Termino relembrando neste excerto poético de Ricardo Reis (heterónimo de Fernando Pessoa) in, Para os Deuses as Coisas São Mais Coisas:


“Para os deuses as coisas são mais coisas.
Não mais longe eles vêem, mas mais claro…”

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Encontros felizes





É mesmo assim. Os dias, os meses, os anos, as vidas passam num sopro e, dessa passagem, temos encontros. Encontros felizes. Encontros felizes é ter estado na hora certa no sítio certo; é ter visto este ou aquele acontecimento; é ter vivido uma sensação única num contexto inesquecível; é ter conhecido gente singular que nos moldaram; é ter encontrado quem se julgava não existir; é tanta coisa, ou, talvez não.

Esta pintura, feita com tons cinza, procura ser depurada, num enquadramento onde a perspectiva (que gosto de utilizar) é acentuada com as linhas do chão que sugerem profundidade. Histórias… da minha pintura.

E vos deixo com as palavras de Alberto Caeiro (heterónimo de Fernando Pessoa) num excerto de, A Espantosa Realidade das Cousas”:

"A espantosa realidade das cousas
É a minha descoberta de todos os dias.
Cada cousa é o que é,
E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,
E quanto isso me basta..."

quinta-feira, 23 de julho de 2009

O imaginário





Hoje temos uma necessidade premente de conhecer fisicamente o outro. Basta, por vezes, uma simples fotografia. A imagem diz tanto e diz tão pouco. O outro, o desconhecido, tem um modo de estar, tem uma voz, tem um cheiro, tem uma corpulência, tem uma idade, tem isto e aquilo. Uma foto dá apenas a imagem que nos mostra só uma parte do retratado, no entanto, chega e sobeja (às vezes), para catalogar e destrinçar.

Os grandes obreiros nem sempre mereceram, no seu tempo, o reconhecimento não só social, mas também afectivo. Beethoven, Chopin e Tchaikovsky (para falar só de músicos) exprimiram os sentimentos no trabalho que produziram e que se reconhece de grande genialidade; eles, uns simples humanos, com as angústias e as tristezas dos seus anónimos semelhantes.

Os grandes, aqueles que se elevaram nos altares da fama pela obra, também têm os defeitos de todos nós: egoístas, mentirosos, interesseiros, gananciosos, invejosos, eu sei lá. Somos todos iguais. Uns mais criativos; outros mais sortudos; outros ainda procurando eternamente o caminho em busca do imaginário.

Esta aguarela retrata um cenário de imaginários destinos. Mais uma vez utilizei os meus brinquedos para entrarem na minha pintura. Os ateliês de Paula Rego e Rembrandt mostram os objectos que naturalmente se incorporaram nas pinturas e que, por estarem ali tão perto, acabaram por retratar imaginários destinos. Histórias da pintura…

E vos deixo com a poesia de Fernando Pessoa, in Cancioneiro:

Dizem que Finjo ou Minto

“Dizem que finjo ou minto
Tudo o que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração…”

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Carrossel da vida




Quando fui a Paris a primeira vez vi um lindíssimo carrossel. Este divertimento de feira esteve sempre presente nas minhas vivências. Quando era menino e moço, todos os anos, via extasiado a vinda dos feirantes; mais tarde, em terras de África, um carrossel - por falência do dono, segundo julgo saber, repousou anos a fio perto de minha casa. Depressa transformámos aquele local em ponto de encontro. Era ali que, quase diariamente, me reunia com os meus amigos, todos nós adolescentes em busca da maioridade. Por paradoxo e sem consciência eminente, o carrossel mais não era, mais não é, que a simbologia da artificialidade da selva, do bulício citadino e do desejo da alegoria do partir. Pois bem, foi esse despertar em Paris, que acompanhado das minhas recordações de criança, me fez regressar ao passado. Chegado a Portugal, depressa percorri as feiras, olhando o carrossel e daí surgiu a série das festas populares.
Viver primeiro, sentir depois e recordar para sempre.


Esta aguarela tem como elemento principal (porque se situa ao centro e se destaca pela cor) um brinquedo que simboliza um carrossel e as restantes figuras representam as vidas … cinzentas.

E vos deixo com a voz de Piafh em “Sous le ciel de Paris


terça-feira, 21 de julho de 2009

Marcas da vida



Recordamos os bons e os maus momentos. As nossas memórias são tão empoladas. Ficam aqueles instantes que mais nos cativaram. Exagerados, quantas vezes. Ainda bem. Os maus, os maus momentos com as agruras, as tristezas e as maleitas fazem parte das memórias que nos servem para aprender. Aprender a não repetir os mesmos gestos, os mesmos disparates, as mesmas incertezas, as mesmas coisas. Mas não vale a pena. Somos o que somos. Uns dias bem, outros não. Uns dias contentes com a luz, com os amigos, com a vida. Outros dias infelizes com a existência, com o tempo errado, com os amores desencontrados, com o mundo ao contrário. Enfim, marcas da vida.

Em 96, data da feitura deste desenho, fiz muita pintura enquadrada numa temática rural, de acordo com a paisagem circundante à época. Primeiro desenhava e colocava cores no papel dos muitos blocos de desenho e, também, repetia, sem fim, os mesmos temas até encontrar a imagem ideal. Depois era pintar partindo do desenho. Histórias da pintura…da minha pintura.

E vos deixo com um excerto de um poema de António Gedeão – Poema da Eterna Presença, in Poemas Póstumos:

“… O que me perturba é que tudo caiba dentro de mim,
de mim, pobre de mim, que sou parte do todo…”

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Conversas de café




Falamos tanto e dizemos tão pouco. Falamos de tudo. Bem e mal. Conhecendo as questões ou não. Falamos por falar. E ainda bem que assim é. Mal daquele que se julga senhor da verdade absoluta. Felizmente que ainda temos locais que são sobretudo pontos de encontro, onde se deseja, sem dúvida, falar e ouvir falar. São as conversas de café. Valem o que valem. Valem sempre muito. É a companhia. É o estar com os outros. É o viver social. É o desejo do prazer. É tanta coisa. O Café enquanto local é variado na configuração e nas gentes, todavia, rico ou pobre é aí que acontece o encontro e o desencontro de ideias.
Almada, Picasso e Van Gogh, por exemplo, deixaram obras que atestam a importância do Café como local de encontro e de camaradagem.
Esta tela retrata um estar numa mesa de Café, onde o diálogo está onde está.

E vos deixo com as palavras de Carlos Drummond de Andrade, in “ Discurso da Primavera do poema Constante Diálogo”:

“Há tantos diálogos
Diálogos com o ser amado
o ser semelhante
o ser diferente
o indiferente
o oposto
o adversário
o surdo-mudo
o possesso
o irracional
…”

domingo, 19 de julho de 2009

Os mitos





Eles são tão grandes que até parecem de uma outra galáxia. De um outro mundo. Outros seres. Têm tudo: reconhecimento, adulação, riqueza, beleza, glória, génio e misticismo. Têm tudo. Aparentemente. Tudo têm: angústias, tristezas e dores. Muitas dores. Como os comuns mortais. Eles são mortais!
Longe da ribalta os nossos mitos são tão iguais, mesmo iguais a todos. É a natureza dos Homens. Felizmente. Eles, os mitos, são aqueles que se tornaram conhecidos e reconhecidos. No seu tempo ou fora dele. Gente do saber, das artes, da política, do pensamento, das ciências, da valentia ou da falta dela, disto e daquilo. Os mitos, os nossos mitos, são o nosso julgamento dos valores. Dos maiores e dos menores. Hoje os mitos são de trazer por casa. Mitos que não resistem ao fátuo tempo. Mitos que são, afinal, juízos críticos sobre o sucesso ou a fraqueza. Os mitos dos nossos dias retratam apenas os feitos que gostaríamos de fazer, e que outros, por nós fizeram. Pobres mitos.

Esta aguarela retrata os nossos heróis transformados em mitos. Mitos de trazer por casa.

E vos deixo com as palavras extraídas da Ilíada de Homero quando diz Nestor, o velho condutor de carros:
“… mas nunca os deuses dão tudo ao mesmo tempo aos homens…”

sábado, 18 de julho de 2009

Momentos de ternura



Cada instante é um momento. Uns são de ternura, outros não. Guardamos uns e outros. Coleccionamos recordações dos bons e dos maus momentos. Momentos há que, quando recordados, nos deixam com sentimentos do tempo vivido, e que, jamais, se apagarão da memória por muitos e longos anos. Felizmente.

Esta tela, pintada em 2008, retrata um daqueles momentos.

E vos deixo com a música de Villa-Lobos, aqui cantada por Bidu Sayão :
– "Bachiana nº 5 – Cantilena”.



sexta-feira, 17 de julho de 2009

Brinquedos de lata





É sempre assim. Nunca valorizamos o que comungamos na abundância. O que nos é dado, o que nos é oferecido, é menorizado porque não foi obtido pelo suor, pelas lágrimas, nem pelo sangue. Ter, depois de lutar para se ter, é bem diferente. É a nossa sina. Valorizamos muito os desejos e aquilo que não temos. Desprezamos tanto, o que outros, com enorme sacrifício fizeram para conquistar. Sempre assim foi, e, talvez, sempre assim será. Infelizmente. Para mal dos nossos pecados.

Lembro-me, como se fosse hoje, nas feiras, de ver brinquedos de lata. Rústicos, mas belos. Anos depois olhei para eles com outros olhos e comecei a juntá-los. Ao coleccionar depressa passaram para os meus desenhos, e destes, para as telas. Histórias da pintura…, da minha pintura.

E vos deixo com um excerto de um poema do escritor, poeta e cronista nascido em 1911 e falecido em 1993- Manuel Fonseca, in Menino:

“No colo da mãe
A criança vai e vem
Vem e vai
Balança.
Nos olhos do pai
Nos olhos da mãe
Vem e vai
Vai e vem
A esperança.
…”

quinta-feira, 16 de julho de 2009

A vida é bela











Não vou dizer quase nada. Estes desenhos e esta música dizem quase tudo.


E aqui vos deixo com Wolfgang Amadeus MOZART: Piano Sonata No. 16, K545, 2nd mov.


Fernando Pessoa escreveu in O Livro do Desassossego: " A arte consiste em fazer os outros sentir o que nós sentimos, em os libertar deles mesmos, propondo-lhes a nossa personalidade para especial libertação."



Significância e insignificância




Nunca fui dado à miudeza das questões, dos factos e dos acontecimentos. Para mim, o importante é a substância do conteúdo. Entendo que o nosso viver é tão breve que, pelo simples facto de vivermos tão pouco, devemos tirar sempre partido do fátuo tempo que é a nossa existência. Sou como sou: esquecido das datas, dos nomes, das coisas tal como foram e são; em suma, não sou de confiar pela ligeireza do meu olhar o mundo. Eu sou assim.

O meu amigo e escritor Cipriano, delicado como sempre, não contestou o meu erro crasso: enganei-me no seu nome – não se chama Catarino Cipriano -, chama-se: Cipriano Catarino. Trocadilhos. Trocadilhos de quem tem, de forma continuada, feito o seu percurso. Percurso que tem um só lema: amar sempre o belo em todas as suas vertentes. Só me resta pedir perdão, a todos, por tanta significância e insignificância dos maus actos. Eu sou o João Alfaro.

E vos deixo com um desenho, dos muitos estudos preparatórios que fiz para ilustrar o livro do Cipriano Catarino : -“ Entre Cós e Alpedriz”-, livro que li, num ápice, dado retratar (como poucos o sabem fazer), o mundo bucólico que guardo com a saudade da infância perdida.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Bem dizer, mal dizer





“… Heitor, filho de Príamo,…Eurimedonte, filho de Ptolomeu,...Méon, filho de Hémon,…Equepolo, filho de Talísias,… Elefenor, filho de Calcodente,…Simoísio, filho de Antémion,…Democoonte, filho bastardo de Príamo,…Tritogénia, filha de Zeus,…Diores, filho de Amarinceu…” Assim se falava de quem era quem. Outros tempos. Tempos da Ilíada de Homero que escreveu estas palavras no ano de 725 a.C. É o bem dizer.

Hoje, no século XXI, é o Dr. António, o Juiz Pontes, o Capitão Caetano, o Arquitecto Duarte, o Engenheiro Ernesto e assim sucessivamente. Novos tempos. Em primeiro lugar coloca-se a profissão ou curso e, depois, o nome do próprio, sem a identificação sublinhada do ramo descendente. Pobres pais. É o mal dizer.


Esta pintura de pequenas dimensões, reflecte as características do diminuto formato. Estas obras precisam de ser trabalhadas com pincéis muito finos e obrigam a um cuidado acrescido nos pormenores pequeníssimos e, neste caso, confesso, é apenas um estudo prévio de um pormenor de uma outra tela, essa sim, de dimensões substancialmente maiores. Segredos da pintura…

E vos deixo com as palavras de Kafka, in Carta Ao Pai:

“…Sempre te quis bem, mesmo quando parecia não agir contigo como os outros pais, precisamente porque não sou capaz de fingir como os outros…”

terça-feira, 14 de julho de 2009

Segredos do ofício 2







Cada obra tem um modo de começar. Se as dimensões são pequenas, os estudos prévios, podem até não ocorrer. Tudo acontece, logo ali, num jogo de construções e destruições. Se, porventura, a obra é de maiores dimensões, ou se implica um jogo intrincado de formas mais complexas, então, os estudos prévios multiplicam-se, até se chegar ao conjunto final que se julga esteticamente correcto.
Estes dois desenhos mostram um iniciar. Foi assim que surgiu a ideia de fazer “ Uma casa no campo”. Primeiro fiz esboços diferenciados e depois escolhi um deles. A tela nasceu do desejo de retratar um ambiente que me é familiar. Um ambiente de saudade. A saudade sempre presente.


E vos deixo com as palavras de Alberto Caeiro (Heterónimo de Fernando Pessoa), in “Poemas Inconjuntos”. Do poema "Gozo os Campos sem Reparar para Eles":

“ Gozo os campos sem reparar para eles.
Perguntas-me por que os gozo.
Porque os gozo, respondo…”

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Casa no campo




É um sonho. O sonho daqueles que vivendo na confusão das cidades, cheias de gente e poluição, desejam ter um espaço, uma casinha, uma casa, uma vivenda na aldeia, no sossego dos campos verdejantes e tendo, por sonoridade dominante, o cantar dos pássaros e a pacatez do viver.

Hoje lembrei-me de todos aqueles que fazem do sonho um projecto de vida e vivem sonhando com o sonho.

Esta tela é o retrato de sonhos, de muitos sonhos; dos sonhos sonhados na lucidez do viver; dos sonhos de todos nós.

E vos deixo com a música e a voz da saudosa Elis Regina e a canção Uma Casa no Campo


domingo, 12 de julho de 2009

Domingo



Domingo é (era), por excelência, o dia do descanso semanal, hoje tão contrariado pelas exigências do chamado progresso que devora tudo e todos. É um fartote; são as bicicletas; são os atletas; são os carros que em filas indetermináveis esperam e desesperam para alcançar um metro de praia e contemplar o mar; são os automobilistas que levam a família pelos mesmos circuitos de sempre; são os namorados e os pais divorciados que enchem os jardins; são os centros comerciais a esgotar de gente; enfim, é o nosso tempo. Bem e mal vivido.

Seurat (1859-1891), pintor francês, deixou-nos uma obra que é hoje um símbolo da França, embora a grande tela, Domingo à tarde na Grande Jatte, (207,5 cm x 308 cm) seja hoje propriedade do Art Institute de Chicago e esteja bem longe dos olhares dos franceses. Esta tela retrata uma época onde a serenidade e a acalmia do Dia Santo era obrigatório. Outros tempos.

Esta tela, que pintei em tempos idos, de pequeno formato, retrata um domingo passado em Paris, cidade que tive o privilégio de visitar várias vezes, e que me encanta, sempre mais e mais.

E vos deixo com uma voz que adoro -Edith Piaf-, recorda-me Paris e as tardes de Domingo.



sábado, 11 de julho de 2009

Amigos





Os amigos fazem parte do viver e sem eles a negridão dos sentimentos prevalece no dia-a-dia. Os amigos - os verdadeiros -, são aqueles que gostamos de ver, de conversar e de estar. A razão é simples: a substância dos afectos e da comunhão da partilha dos interesses, independentemente da presença física, fortalecem o nosso próprio ego. Um mundo sem amigos é um mundo sem cor.
Conheci o Ramiro Marques primeiro no comboio; era o tempo dos estudantes que logo pela manhã iam para a faculdade; mais tarde, por razões profissionais, tornámo-nos conhecidos e depois amigos. Conversas e interesses afins fizeram o resto. O tempo passou e hoje presto-lhe uma homenagem.

Este desenho retrata o Ramiro, o amigo, o pedagogo, o professor, o escritor, o cibernauta, o viajante de muitas luas.

E vos deixo com as palavras do Duque François La Rochefoucaul in Máximas:
“ Na adversidade dos nossos melhores amigos, há algo que não nos desagrada.”

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Cores



Hoje vou falar de cores. Quando o sol brilha pela manhã, e nos dá a luminosidade do céu tão brilhante, gostamos das cores que os nossos olhos contemplam. Pintar é distribuir cores numa superfície. As cores surgem de uma ideia pré-concebida e de acordo com a sensibilidade e o objectivo do artista. É ao conjunto das cores, que se distribuem segundo uma determinada ordem, que nasce a pintura. Esta tem, naturalmente, um outro alcance mas é tão só cores e cores. Linha, textura, sombra, claro-escuro, luz, enquadramento, perspectiva, figura, plano, tema, plasticidade, etc, etc, constitui o maravilhoso mundo da pintura, e é a outra parte do mundo pictórico.

Juntar cores e dessa junção resultar uma harmonia cromática é o desafio maior para se chegar à pintura que seja a expressão do belo. Os artistas utilizam processos variados para obter na combinação de cores a obra desejada. Van Gogh, por exemplo, levava sempre consigo um caixa com novelos de lã de muitas cores e tons diferentes; antecipadamente escolhia a combinação ideal e depois, na tela, começava a colocar as misturas cromáticas, de tintas a óleo, que tinha seleccionado com os novelos de lã. Histórias da pintura…

quinta-feira, 9 de julho de 2009

A viagem da minha vida





Há viagens que se fazem e que nos marcam profundamente. A viagem da minha vida - até hoje, ocorreu na Europa. O que vi deixou-me deslumbrado. Tudo é tão bonito. Tudo é tão belo. É a História, é a paisagem, é a arquitectura, é a tradição, é a língua, é este e o outro e mais o outro e todos os outros museus, é a gastronomia, é a luz, é a cor …é a Itália.
É a cultura greco-romana ali tão viva que me apaixonou com a miscelânea de terra em terra, de cidade em cidade, de pintor em pintor. Foi uma viagem de sonho.

Esta aguarela só foi possível porque estive onde estive e vivi como vivi.

E vos deixo com o livro editado pela Europa-América, que um grande amigo e escritor - José Catarino Cipriano -, me recomendou, recentemente, e que paulatinamente estou a ler: A Ilíada de Homero.

“ …Sentados perto de Zeus, os deuses reuniram-se em conselho sobre o pavimento de ouro. Entre eles, a venerável Hebe servia o néctar, e todos brindavam com as taças de ouro, enquanto contemplavam a cidade dos Troianos…”

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Adeus Tristeza










A vida é tão bela, tão bela e tão amarga, tão amarga. É bela e amarga de acordo com os conceitos e os objectivos de cada um. Gente com tudo e tão desencontrada, e gente com nada e tão serena. O olhar o mundo é a consciência ou não do estar. Sempre assim foi, sempre assim será.

Estes desenhos retratam sentimentos, com os conceitos e os objectivos do momento.

E vos deixo com a canção de Fernando Tordo “Adeus Tristeza”.





Segredos do ofício








O fazer qualquer coisa implica conhecer os modos de actuar para realizar o pretendido. Em termos artísticos, trabalhar para realizar produtos que marquem a diferença pela diferença formal, geram, naturalmente, curiosas observações sobre como se chegou aí. Quando alguém faz um determinado objecto/artigo/intervenção que pela sua originalidade gera incógnitas sobre como se fez, cria curiosidades, desejos de descobrir a forma e o conteúdo. Aqui começam os problemas.

Por razões que considero, em primeira instância, de insegurança, há aqueles que não querem dizer como se faz. Em determinados contextos e situações percebe-se. Um mágico ao revelar como se faz um truque, perde todo o simbolismo e magia do acto que é o seu trabalho. Deixa de ter qualquer interesse, após se saber como se faz este ou aquele “milagre”. A magia deixa de ser magia. Nas artes plásticas não é assim, no entanto, por muitos medos, boa gente prefere conservar os seus segredos. Segredos do ofício.

Aqui, e agora, mostro desenhos embrionários, porque correspondem às primeiras ideias. Num ápice, num qualquer local, puxo de um caderno e risco no papel umas linhas que serão posteriormente trabalhadas a um outro nível até ao objectivo final: a tela ou a aguarela. Segredos desvendados.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Cartas de amor






“Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas…”

segunda-feira, 6 de julho de 2009

A Obra



O artista plástico Manuel Cargaleiro disse um dia, já não sei se na rádio ou televisão, que o seu trabalho era intelectualizado, no entanto, ele trabalhava como um operário. Concordo em absoluto. Há uma ideia, um modo de expressão e o concretizar desse pensamento. O trabalho operário significa isso mesmo. Trabalhar muito, com rigor e verdade. E em simultâneo há o trabalho intelectualizado. Só aqueles que têm a força, a determinação e a capacidade de sempre, sempre dizer sim e não desistir apesar dos opostos é que vencem e apresentam obra. Ter muitos amigos e frequentar festas e eventos sociais para ser visto não faz a obra. A obra só aparece e tem consistência se obedecer ao saber e ao suor.

Esta tela de 2008 retrata um momento. Um momento de leitura. Um momento de passagem para outros mundos, outra dimensão.

E vos deixo com um dos primeiros grandes homens da escrita que descobri na minha adolescência - Rainer Maria Rilke, in “ O Livro das Imagens”:

O Homem que Lê

“…E quando agora levantar os olhos deste livro,
Nada será estranho, tudo grande.
Aí fora existe o que vivo dentro de mim
E aqui e mais além nada tem fronteiras…”

domingo, 5 de julho de 2009

Jardim da Celeste





Houve um tempo em que adorava andar pelo bulício das multidões e da confusão das incertezas. Era a fase do descobrir e da aventura. Hoje tudo isso me confunde e me deixa desejoso de saborear, a tempo inteiro, o prazer do momento vivido na acalmia do espaço e das vivências. Como tudo muda. Como estou tão diferente. Eu sou outro, embora seja o mesmo.
Como pintor o que fiz é tudo tão diferente do que agora faço. Sou outro e outra é a minha pintura. A pintura do outro, eu mesmo, é a resposta possível para quem quer perceber o meu percurso pictórico. Eu sou assim.

“Jardim da Celeste” é uma aguarela que fiz enquadrada na temática dos ” Jardins Alados” e que me levou a apaixonar-me por esta técnica pictural (nada de surpreendente), porque gosto de desafios e de paixões.

Hoje lembrei-me de Oscar Wilde, escritor que descobri quando fui aluno nas Belas-Artes, e vos deixo com uma das suas frases emblemáticas retiradas do livro "O Retrato De Dorian Gray": - “O pensamento e a linguagem são para o artista instrumentos de arte.”

sábado, 4 de julho de 2009

Silêncio





Hoje vou falar de um episódio relatado, na televisão, pelo realizador Manuel de Oliveira. Quando o cineasta era adolescente ele e o irmão, pela calada da noite, saíram de casa sem os pais saberem. Foram ao bailarico. Pela madrugada entraram sorrateiramente em casa. No cimo da escada o pai esperava-os sentado num degrau. Olhou para os filhos fixamente e sem dizer uma única palavra, após um minuto, levantou-se e retirou-se para os seus aposentos.
Passados já lá vão mais de oitenta anos esta história ainda vive pela significância do gesto, do modo e da substância. O silêncio foi a melhor argumentação para dizer tudo com a força que as palavras nunca teriam. Fala-se tanto em e com o silêncio, talvez por isso mesmo, eu prefiro a pintura para dizer tanto… em silêncio.

Esta tela retrata um dos muitos silêncios do silenciado viver.

E vos deixo com as palavras de Alfred de Vigny : - “ Apenas o silêncio é grande, tudo o mais é debilidade.”

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Regresso ao futuro





Regressar significa que se voltou ao ponto de origem. Só regressam aqueles que partiram. Ao partir parte-se com o desejo de partir definitivamente, ou, de partir com o desejo do regressar. Aos que partem sem vontade de regressar, a partida é um alívio. Aos que partem com o desejo do regresso não conseguido - a angústia do não regressar - é a expressão do não conseguido. Para os outros, para os que vêem o regressar, há um multiplicar de sentimentos. E para os restantes outros - aqueles que não vêem chegar quem partiu, há o desejo eterno do regresso ao futuro.

Esta tela, pintada em 2002, retrata um partir.

E vos deixo com as palavras de Jorge Luís Borges in Ficções “… As razões que pode ter um homem para odiar outro ou para gostar dele são infinitas…”

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Ausente





Quando olho para as estrelas vejo-me pequenino face à grandeza e ao maravilhoso do universo. São tantas, tantas, infinitamente tantas as estrelas. Aqui, no nosso mundo, o mundo continua, todos os dias, independentemente das maleitas, da dor e da tristeza de cada um. Vivemos pensando que somos de uma dimensão superior ao que valemos. Valemos tão pouco e queremos tanto. Basta olhar para as estrelas para perceber a insignificância de cada um de nós. E mais não digo…
Esta tela foi pintada em 2000 e retrata uma estação de comboios sem gente. Gente que não chegou, nem partiu.

E vos deixo, com uma das mais pungentes canções que alguém já cantou, dizendo as palavras que ninguém gosta de ouvir nem muito menos de dizer – Jacques Brel “ Ne Me Quitte Pas”.

Eu vou voltar dentro em breve.