sábado, 19 de outubro de 2013

Não tenho tempo

 
 

 
 
 
 
 

João Alfaro

 

“Adonísia”, 2013
Pintura sobre tela de 120X100cm

 
 
 
 
 
 
 
 

Não tenho tempo. Nem hoje, nem amanhã, nem nunca. Nunca tive tempo. O meu tempo nunca foi meu. Foi sempre dos outros e das outras coisas. Levaram-me o tempo. O tempo meu. E, porque nunca tive tempo, vi passar o tempo. O tempo de fazer o que gostaria de fazer, mas não fiz, ou, pior ainda, não fui capaz de fazer. Muitos livros ficaram por ler, muita pintura por realizar, muita música por ouvir, muito sonho por concretizar. E tudo por causa do tempo, ou da falta dele. O tempo que não tenho e que gostaria de ter: passei anos sem dormir o tempo que gostava; de não amar os meus como adoraria no tempo certo; de não viajar pelos caminhos da paixão no tempo como aspirava. E o tempo passou. Resta-me, agora, pouco. E o que tenho agarro sofregamente, porque o que lá vai, lá vai. Foi o tempo que passou e não volta mais. Resta-me recordar. E é tanto. Agora é na pintura que esgoto o tempo, como se fosse a última esperança de dizer que ando num tempo, sem tempo. E é tanto o tempo. Tanto, tanto. E não tenho tempo.
 
 
 
 
 
E vos deixo com as palavras de Jean de La Bruyère que disse um dia:
 
“Aqueles que gastam mal o seu tempo são os primeiros a queixar-se da sua brevidade.”


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